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EDUCAÇÃO
Negros foram apenas 2,2% dos formandos nas universidades em 2000; quantidade de brancos chegou a 80%
Provão revela barreira racial no ensino
ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
É do topo da pirâmide do sistema educacional brasileiro que se
percebe com clareza a dimensão
da desigualdade racial no país. Os
negros, apesar de representarem
5,7% da população, são apenas
2,2% dos formandos de 18 cursos
superiores avaliados pelo MEC no
provão de 2000.
Se a proporção de negros na população e na universidade fosse a
mesma, o número de formandos
nas universidades desse grupo étnico seria 160% maior.
Em alguns cursos, a distorção é
ainda mais visível. Em odontologia, por exemplo, apenas 0,7%
dos estudantes que se formaram
neste ano são negros. Em medicina, essa taxa é de 1%. Na área de
veterinária, eles são apenas 1,1%
do total.
A mesma desigualdade se dá
quando se compara a porcentagem de pardos e mulatos entre os
brasileiros e entre os formandos.
Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio) de 1999 do IBGE, esse grupo
representa 39,5% dos brasileiros,
mas apenas 13,5% dos formandos
que fizeram o exame do MEC.
Quando se junta o número de
negros e pardos, esse grupo acaba
representando 15,7% dos formandos e 45,2% da população.
Tanto no caso do provão como na
pesquisa do IBGE, são as próprias
pessoas avaliadas que definem
seu grupo racial.
Os dados sobre a presença de
grupos raciais na universidade foram elaborados a partir dos questionários socioeconômicos respondidos por 197 mil alunos que
participaram do exame do MEC
no ano passado. O provão é condição obrigatória para o estudante obter o diploma.
A diversidade da sociedade brasileira não é equivalente entre os
formandos nem mesmo em cursos menos concorridos de carreiras com menos prestígio salarial,
como é o caso de letras. Nessa
área, 3,9% dos formandos são negros e 21,6%, pardos. Em matemática, essas taxas são, respectivamente, 3,5% e 20% dos alunos.
Para o secretário de Educação
Superior do MEC, Antônio Macdowell de Figueiredo, o perfil dos
formandos é um reflexo da desigualdade social brasileira.
"Não é na universidade que se
dá essa desigualdade, ela vem desde a base educacional. A melhoria
no acesso no ensino fundamental
e médio tende a amenizar esse
quadro desigual na universidade", afirma Figueiredo.
A antropóloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Yvonne Maggie, autora de um
estudo sobre estudantes carentes
que ingressaram no ensino superior no Rio de Janeiro, afirma que
existe no Brasil uma hierarquia
das carreiras que já é determinada
na inscrição no vestibular.
"Já há uma pré-seleção natural
dos próprios estudantes. As classes média e alta, cuja porcentagem de brancos e amarelos é
maior, escolhem as carreiras mais
privilegiadas, como direito ou
medicina", diz Yvonne.
A antropóloga acredita que a
desigualdade social no ensino superior se dá entre cursos, e não
entre universidades. "O perfil de
um aluno de medicina de uma
universidade particular é quase
igual ao de um estudante de curso
particular. A maior diferença
acontece quando se compara os
cursos de baixo e de alto prestígio
na sociedade", diz.
Apesar da desigualdade, Yvonne afirma que a tendência é de
melhoria na participação dos extratos mais carentes.
"A diminuição da taxa de repetência e a expansão do ensino médio vão ajudar a mudar esse quadro. Acredito que em breve teremos um número maior de formandos negros. Mesmo assim, os
dados de hoje mostram que existe
uma classe média negra em número significativo", diz.
Brancos
O grupo étnico com mais representantes entre os formandos é o
de brancos -eles são 54% da população e 80% dos estudantes que
fizeram o provão.
Um dos dados que mais chamam a atenção é a participação da
população que se diz amarela (de
origem asiática). Apesar de representar apenas 0,5% da população,
o número de pessoas dessa raça
supera o de negros entre os formandos, chegando a representar
2,6% do total.
Em alguns cursos, como em
medicina, o número de amarelos
é três vezes maior do que o de negros. No Brasil, há 11 negros para
cada pessoa de origem asiática.
Para o pesquisador do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) Sergei Soares, autor de
um estudo sobre discriminação
no mercado de trabalho, o bom
desempenho dos estudantes de
cor amarela nessa estatística não é
uma peculiaridade apenas da sociedade brasileira. "Esse desempenho tem raízes culturais e é encontrado em quase todo mundo",
afirma Soares.
Yvonne Maggie, antropóloga da
UFRJ, concorda: "Há até países
que estabeleceram um limite para
a presença dos estudantes de origem asiática na universidade para
privilegiar outras minorias."
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