São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FHC defende em palestra diálogo sobre uso de drogas

No colégio Santa Cruz, ex-presidente volta a apoiar a descriminalização de entorpecentes

Discurso é que o tráfico de drogas ilícitas precisa ser reprimido, mas que o usuário deve sair do foco da polícia e da Justiça


HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Em palestra anteontem no colégio Santa Cruz, em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender a descriminalização do uso de drogas. Falando a um público composto principalmente por pais de alunos mas também por estudantes, ele traçou um panorama global do combate às drogas ilícitas e concluiu ser necessária uma mudança de estratégia.
Segundo ele, a abordagem puramente repressiva com vistas à erradicação do tráfico fracassou e precisa ser substituída por outra, mais focada em ações educativas com a finalidade de reduzir o consumo.
Para FHC, não há receitas prontas. Cada país precisa debater abertamente o problema e achar seu caminho. Abordagens que funcionaram bem em um lugar podem não servir a outro, onde características culturais da população e a natureza do tráfico sejam diferentes.
FHC mencionou a despenalização adotada por Portugal como um caso de sucesso, que permitiu a redução do número de usuários de heroína, mas observou que ela não pode simplesmente ser transposta para a Colômbia ou o México, onde o problema não é apenas o usuário mas também a enorme violência associada aos cartéis de drogas. Nessas nações o narcotráfico penetrou nas estruturas de Estado e já se converte numa ameaça à democracia.
O ex-presidente diz que é preciso seguir reprimindo o tráfico, mas tirar o usuário da esfera da polícia e da Justiça. Com isso, sistemas de saúde ganham maior amplitude de ação, colhendo melhores resultados.
Para ele, o debate deve ser tão honesto quanto possível. Não se deve esconder nada do jovem, nem mesmo que usar droga dá prazer e por isso vicia. A tônica deve estar nas consequências: dá prazer, mas faz mal.
FHC vem nessa toada pelo menos desde 2008, quando, ao lado dos ex-presidentes César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México), além de intelectuais e acadêmicos, criou a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, com o objetivo de advogar por mudanças na estratégia de combate a entorpecentes.

Debate
O movimento não passou despercebido. Em seu último relatório anual, divulgado no mês passado, o arquiconservador Unodc (escritório da ONU contra drogas e crimes) lamenta que ex-altas autoridades latino-americanas se dediquem a defender a descriminalização.
FHC explica a mudança. Para ele, se há um assunto do qual políticos querem passar longe é a descriminalização das drogas. "Mas eu não preciso fugir de mais nada." Perguntando-se retoricamente se essas mudanças um dia virão, disparou: "É utópico? Talvez. Mas sem utopia ninguém muda o mundo". Quando estava na Presidência, FHC costumava falar em "utopia do possível". Definitivamente, a condição de ex-presidente fez bem ao sociólogo.


Texto Anterior: Delegacias serão esvaziadas em 1 ano, diz governo
Próximo Texto: Faculdade particular dá aula de reforço a calouro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.