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LETRAS JURÍDICAS
Tratados e Globalização
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
O Estado brasileiro tem,
nos termos da Constituição, o
poder de concluir tratados,
acordos, convenções e assumir
as obrigações resultantes. Recente exemplo é o da convenção internacional sobre conflito de leis em matéria de
adoção de menores, ratificada
por decreto de 17 de dezembro
último, que a reconhece, de
pleno direito, em todos os países signatários (e, desde então, no Brasil) quando processada em qualquer um deles.
A adoção ilustra as mudanças provocadoras do que se
pode chamar de sobrenacionalidade do novo direito, ao
incluir normas imponíveis até
aos respectivos Poderes Judiciários. Tomemos o Mercosul,
em relação ao qual houve notícia de posições conflitantes
durante a semana. O tratado
de Assunção, que lhe deu origem, gerou convenções entre
os quatro países signatários.
Aceitaram condições para
resolverem questões, conflitos
e processos, surgidos no espaço interno de um dos quatro,
que possam interessar aos demais. Os tratados, como evidente, são coisa antiga, mas
estão assumindo, nos últimos
anos, reforçada atribuição de
lei interna, ampliando a cessão das soberanias nacionais
em favor de interesses transnacionais.
O Mercosul exemplifica outro aspecto, que tem merecido
menor atenção, ao confirmar
tendência internacional de
predomínio do Executivo sobre os outros poderes, pela
maior velocidade na decisão
de seus problemas, pela capacidade de impor seus desígnios ao Legislativo e, como
consequência, diminuir a possibilidade de participação do
Judiciário nas medidas adotadas, sem ter de esperar pela
lentidão das decisões jurídicas.
O professor Rui Manoel
Moura Ramos, membro da
Corte Internacional de Primeira Instância em Luxemburgo, publicou, em 1995, monografia sobre a integração
do direito internacional e comunitário na ordem jurídica
interna. Considerando as
condições portugueses, em face do Mercado Comum, examinou a competência local
para aceitação dos tratados
internacionais. Delimitou
seus definitivos efeitos obrigatórios para o Estado e avaliou
os resultados práticos decorrentes.
Moura Ramos pondera objetivamente sobre regras nacionais relativas ao direito
nascido de acordos internacionais e às competências do
Parlamento para os acolher.
Considera a intervenção do
eleitorado, quando vote pró
ou contra a recepção de tratados pela ordem jurídica interna. Publicado e homologado
pelo Senado, o tratado comunitário passa a ter execução
automática, sendo seu cumprimento imposto por meio
das medidas de execução, que
o transformam em lei local,
exequível no espaço interno
do país.
O Poder Judiciário tem, lá e
cá, competência para afirmar
a constitucionalidade ou decretar a inconstitucionalidade do trato. O acolhimento
deste, na Constituição Portuguesa, é ampla. Em seu artigo
8º dispõe que os atos das organizações internacionais se incorporam às regras de direito
lusitano. A Constituição brasileira não tem regra igual,
embora o artigo 4º afirme a
vocação latino-americana no
Brasil, numa interferência
histórica de André Franco
Montoro, como constituinte.
O Mercado Comum Europeu
admite até certos atos de organizações internacionais que
nem sequer precisam ser publicados na Gazeta Oficial de
cada país para serem obrigatórios. O sistema é incompatível com as exigências de publicidade da lei brasileira.
Direto e objetivo, o estudo
escrito por Moura Ramos
enuncia e esclarece problemas
europeus, também previsíveis
no Mercosul, embora, aqui, a
diversidade entre os signatários seja muito maior que na
Europa. Traz um guia útil,
digno de ser lido.
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