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GILBERTO DIMENSTEIN
Feliz Natal, senhora Pitta
Nicéa Pitta, mulher do prefeito de São Paulo, Celso Pitta,
queria espalhar árvores de Natal luminosas pela cidade.
Tamanho era seu desejo que
ordenou, no ano passado, às
administrações regionais que
se virassem para arrumar dinheiro, fazendo caixinha com
empresários.
Num zelo estético, esmerou-se nas minúcias, encomendou o
desenho, listou os produtos
(com as respectivas marcas) a
serem adquiridos para a árvore
-quem sabe para economizar
tempo, informou o nome e telefone dos fornecedores.
Descuidou de um detalhe que
lhe parecia insignificante: a
simples condição de mulher de
prefeito não lhe confere o direito de mexer em recursos públicos.
O descuido, também encarado como insignificante pelos
gentis funcionários, não impediu a realização do projeto
"Praças Natalinas".
O prazeres estéticos de Nicéa
Pitta estão registrados no documento encaminhado às administrações regionais -hoje,
mais uma peça na galeria de
suspeitas de propinas que envolvem a prefeitura.
Ainda é cedo e leviano acusá-la de eventual confraternização natalina com os fornecedores. Nem é o essencial.
Escandaloso, no caso, é o que
não está escondido. Funcionários públicos obedecendo, ilegalmente, às veleidades de
uma mulher deslumbrada com
o poder.
As árvores deixam de ser símbolo do Natal, mas de uma cidade sem governo, sem lei, e, tirando raríssimas exceções, sem
punição.
Se um quinto dos rumores sobre as investigações das propinas municipais for verdade,
vamos ficar com a sensação de
metástase urbana -a cidade
tomada pelo câncer.
Rico em simbolismo que as
denúncias mostrem como se fazia dinheiro com lixo.
O paulistano preferia se iludir, supondo que a roubalheira
estava mais concentrada em
Brasília; preconceituosamente,
acusavam-se os nordestinos,
com sua indústria de seca. Ou
os cariocas, vítimas da disseminação do crime organizado.
Cansei de ouvir a idéia estúpida de que Brasília era corrupta porque não tinha gente
em volta.
Em um dia, passa mais gente
na frente da Câmara Municipal em São Paulo do que em
um ano no Congresso.
Por sinal, não foi sem motivo
que Nicéa apelidou seu cachorro de "vereador"-só dá a pata
quando recebe comida.
Como sabe o leitor que acompanha esta coluna, sou um
paulistano otimista -esses
episódios me deixaram ainda
mais otimista.
Meu otimismo é baseado no
fato de que o número de habitantes da cidade beira a estabilização e, ano a ano, aumenta
o grau de escolaridade; além do
fato óbvio de que a cidade é o
centro nacional da fertilidade
criativa, com uma notável
energia.
A herança que trouxe de Nova York foi passar a acreditar
no renascimento urbano, desde
que a comunidade se rebele.
Faço, aqui, minha aposta otimista. Talvez a CPI criada pela
Câmara Municipal seja uma
farsa; até porque a maioria é
do governo.
Talvez a polícia e o Ministério Público não tenham fôlego
ou competência para aprofundar as investigações.
Duvido, porém, que a imprensa tire os dentes das investigações. Não só pelo sentido
ético dos jornais, mas por uma
questão de sobrevivência diante dos leitores.
As descobertas estão absorvendo o interesse da população, provocando indignação
generalizada.
Se chegamos aonde chegamos
é porque os habitantes não
acompanham nem fiscalizam o
poder municipal -críticas a
nós, da imprensa, vamos reconhecer, não são descabidas.
Inevitável que se discutam
cada vez mais mecanismos para administrar melhor a cidade, democratizando a estrutura de poder. A cidade, como está, é ingovernável.
A lei já prevê a criação de
subprefeituras, com orçamento
próprio para cuidar do buraco
de rua até a escola, fiscalizadas
por conselhos eleitos.
Faltou até agora vontade política para se implementar essa
descentralização.
O paulistano está emocionalmente esgotado, enfurecido
com o trânsito, enchentes, lixo
visual.
O blecaute da semana passada parecia mais um fato imprevisível na, digamos, rotina da
imprevisibilidade.
Não havia um movimento de
reação -está começando e,
aposto de novo, não tem volta.
A rebeldia vai fazer o paulistano deixar de se sentir acuado, assim como se sente acuado
e impotente diante dos fiscais.
É daqueles estopins históricos
que redirecionam a vida de
uma comunidade.
P.S. - Ouvi do mineiro Eduardo Giannetti, morador de São
Paulo e um dos mais férteis
pensadores brasileiros, uma
idéia tão boa quanto polêmica
para melhorar a cidade: fazer
dos cemitérios parques públicos.
Os túmulos iriam para um lugar mais distante.
São Paulo receberia uma lufada ecológica se transformasse esses espaços fúnebres em
jardins, criando áreas de convivência.
Claro que muitas famílias se
sentiriam indignadas. Seria,
entretanto, um generoso gesto
de doação, transformando
morte em vida.
E-mail: gdimen@uol.com.br
Aprendiz: www.aprendiz.com.br
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