São Paulo, sábado, 14 de abril de 2001

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SÃO PAULO
Em meio a uma crise financeira que se arrasta há dez anos, entidade terceiriza o departamento de jogos de cavalos

Jockey, 126, se moderniza para sobreviver

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Jockey Club de São Paulo vai fazer mais uma aposta para sobreviver à crise financeira que enfrenta há quase dez anos.
No final do mês que vem serão divulgados os nomes das empresas escolhidas em processo de licitação para administrar seus jogos de corridas de cavalo, principal atividade do clube.
A concorrência também envolve os hipódromos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Quem vencer terá que fazer investimentos em marketing para voltar a atrair apostadores.
Embora seus restaurantes e bailes continuem badalados pela elite paulistana, os cofres do Jockey Club de São Paulo, que completou 126 anos em março, amargam uma situação decadente.
As arquibancadas do Hipódromo Cidade Jardim, que reuniam 50 mil expectadores nos anos 40, estão cada vez mais vazias. Atualmente, os finais de semana mais concorridos não conseguem atrair nem 3.000 pessoas.
"O turfe perdeu espaço no mundo inteiro. No Brasil, foi mais intenso porque os clubes não são geridos por profissionais. Além do surgimento de meios de transmissão pela TV, também enfrentamos a concorrência dos bingos", afirma Felipe Kheirallah, diretor de finanças do Jockey.
Havia no Estado de São Paulo quase 500 bingos no início deste ano, conforme levantamento da Caixa Econômica Federal. Esses estabelecimentos foram autorizados no país a partir de 1993.
"Antigamente só havia três jogos: Loteria Federal, Baú da Felicidade (do Grupo Silvio Santos) e corrida de cavalo. Hoje, dá para encontrar um jeito de jogar em cada esquina", diz Arthur Ramos Neto, presidente do Sindicato dos Funcionários de Estabelecimentos Hípicos de São Paulo.
A crise financeira teve reflexos em vários indicadores do Jockey. O quadro de funcionários foi reduzido de 3.000 para 600 na última década. As dívidas trabalhistas são perto de cem, os valores reivindicados beiram R$ 5 milhões, mas essa não é a principal "briga" dos sindicalistas. "Temos até vergonha, mas a nossa luta, agora, é pela sobrevivência da empresa", afirma Ramos Neto.
O volume anual de apostas no hipódromo não tem passado de US$ 50 milhões. Esse movimento já foi três vezes maior.
Após a "terceirização" do departamento de jogos (direitos outorgados pela lei do turfe, como o de julgar as corridas, serão mantidos), a intenção é aumentar a quantidade anual de apostas no Brasil de US$ 120 milhões para US$ 1 bilhão, no prazo de cinco anos. O Jockey de São Paulo deve concentrar metade desses valores.
Os prêmios aos donos de cavalos, que hoje atingem US$ 2.000 e são pagos com um mês de atraso, devem passar em poucos meses para US$ 10 mil, segundo as metas apresentadas na licitação.
Todos os grupos interessados na concorrência são estrangeiros (Itália, EUA, Inglaterra e França). Eles terão que divulgar as atividades do clube e serão remunerados conforme a quantidade de apostas nas corridas de cavalo.
A idéia de profissionalização não pára por aí. O Jockey deixará de ter apenas diretores não-remunerados. Serão contratados especialistas para cuidar exclusivamente de suas finanças.
"A administração sempre foi feita por pessoas que, no máximo, têm boa vontade, mas que não são especialistas. Tivemos na direção do clube grandes médicos e advogados. Em um setor concorrido, não dá para colocar um amador", diz Kheirallah, ressaltando que nem mesmo a colaboração de "nomes respeitáveis" da área financeira foi suficiente para resolver a crise.
Na gestão passada, Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central, foi diretor de finanças. O atual presidente é Antônio Grisi Filho, ex-sócio do BCN.

Dívidas
As dívidas judiciais cobradas do Jockey passam de R$ 60 milhões. "Esses valores ainda estão sendo discutidos na Justiça. Podem cair para um terço do total", ressalva Kheirallah.
O patrimônio do clube teve uma perda no ano passado, quando foi vendida, por R$ 5 milhões, uma área próxima a Campinas (a 95 km de São Paulo) que abrigava cavalos para criação. A Chácara do Ferreira, terreno avaliado em R$ 30 milhões, também já chegou a ser posta à venda.
"Temos um patrimônio respeitável. A situação financeira é que não é boa. Não temos liquidez porque o volume de apostas é muito baixo", diz Kheirallah.
O número de sócios, que dez anos atrás chegava a 8.000, caiu para 6.000 e, dentro de um ano e meio, não deve passar de 3.000, pelas estimativas do clube. O motivo das baixas é uma tradição rompida em outubro passado, quando os sócios passaram a pagar mensalidades (cerca de R$ 100). A inadimplência já é de 50%.
"O Jockey era superavitário. Por muitos anos, pôde dispensar a colaboração dos sócios. Hoje está em uma situação em que não pode abrir mão disso. Alguns não se conformaram com a mudança", afirma o diretor de finanças.
Esse não foi o único rompimento com uma tradição do clube. Em 1996, os dias de apostas por semana foram reduzidos de cinco (domingo, segunda, quinta, sexta e sábado) para quatro. Por falta de apostadores, a sexta-feira foi excluída do calendário.

Glamour
Mesmo com a crise financeira, o glamour do Jockey permanece. Para marcar um casamento nos seus salões durante a semana, pode-se demorar mais de um ano.
O clube passou a concentrar cada vez mais eventos sociais e culturais em 1998, como desfiles do MorumbiFashion e shows do Free Jazz Concert.
Foram inaugurados os restaurantes Charlô e Mercearia São Roque, até hoje bem frequentados, e chegou a ser projetada a construção de um shopping center nas suas dependências.
A exigência de traje social para frequentar alguns espaços caiu há quase uma década. Nos últimos meses, passou a ser permitida até mesmo a entrada com tênis na ala social do Charlô. "A imagem está se renovando. Está sendo quebrado o tabu de que o Jockey é fechado para uma elite arcaica. Queremos mostrar que é um lugar de gente normal", afirma Kheirallah.
Essas mudanças, porém, não bastaram para recuperar as finanças do clube. Outras tentativas, como a expansão das apostas por telefone, a criação de agências de jogos e a transmissão de corridas pela TV por assinatura, também não foram suficientes. "Do jeito que está, não dá mais", diz o diretor de finanças da instituição.


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