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SÃO PAULO
Em meio a uma crise financeira que se arrasta há dez anos, entidade terceiriza o departamento de jogos de cavalos
Jockey, 126, se moderniza para sobreviver
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
O Jockey Club de São Paulo vai
fazer mais uma aposta para sobreviver à crise financeira que enfrenta há quase dez anos.
No final do mês que vem serão
divulgados os nomes das empresas escolhidas em processo de licitação para administrar seus jogos
de corridas de cavalo, principal
atividade do clube.
A concorrência também envolve os hipódromos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Quem
vencer terá que fazer investimentos em marketing para voltar a
atrair apostadores.
Embora seus restaurantes e bailes continuem badalados pela elite paulistana, os cofres do Jockey
Club de São Paulo, que completou 126 anos em março, amargam
uma situação decadente.
As arquibancadas do Hipódromo Cidade Jardim, que reuniam
50 mil expectadores nos anos 40,
estão cada vez mais vazias. Atualmente, os finais de semana mais
concorridos não conseguem
atrair nem 3.000 pessoas.
"O turfe perdeu espaço no
mundo inteiro. No Brasil, foi mais
intenso porque os clubes não são
geridos por profissionais. Além
do surgimento de meios de transmissão pela TV, também enfrentamos a concorrência dos bingos", afirma Felipe Kheirallah, diretor de finanças do Jockey.
Havia no Estado de São Paulo
quase 500 bingos no início deste
ano, conforme levantamento da
Caixa Econômica Federal. Esses
estabelecimentos foram autorizados no país a partir de 1993.
"Antigamente só havia três jogos: Loteria Federal, Baú da Felicidade (do Grupo Silvio Santos) e
corrida de cavalo. Hoje, dá para
encontrar um jeito de jogar em
cada esquina", diz Arthur Ramos
Neto, presidente do Sindicato dos
Funcionários de Estabelecimentos Hípicos de São Paulo.
A crise financeira teve reflexos
em vários indicadores do Jockey.
O quadro de funcionários foi reduzido de 3.000 para 600 na última década. As dívidas trabalhistas são perto de cem, os valores
reivindicados beiram R$ 5 milhões, mas essa não é a principal
"briga" dos sindicalistas. "Temos
até vergonha, mas a nossa luta,
agora, é pela sobrevivência da empresa", afirma Ramos Neto.
O volume anual de apostas no
hipódromo não tem passado de
US$ 50 milhões. Esse movimento
já foi três vezes maior.
Após a "terceirização" do departamento de jogos (direitos outorgados pela lei do turfe, como o
de julgar as corridas, serão mantidos), a intenção é aumentar a
quantidade anual de apostas no
Brasil de US$ 120 milhões para
US$ 1 bilhão, no prazo de cinco
anos. O Jockey de São Paulo deve
concentrar metade desses valores.
Os prêmios aos donos de cavalos, que hoje atingem US$ 2.000 e
são pagos com um mês de atraso,
devem passar em poucos meses
para US$ 10 mil, segundo as metas
apresentadas na licitação.
Todos os grupos interessados
na concorrência são estrangeiros
(Itália, EUA, Inglaterra e França).
Eles terão que divulgar as atividades do clube e serão remunerados
conforme a quantidade de apostas nas corridas de cavalo.
A idéia de profissionalização
não pára por aí. O Jockey deixará
de ter apenas diretores não-remunerados. Serão contratados especialistas para cuidar exclusivamente de suas finanças.
"A administração sempre foi
feita por pessoas que, no máximo,
têm boa vontade, mas que não
são especialistas. Tivemos na direção do clube grandes médicos e
advogados. Em um setor concorrido, não dá para colocar um
amador", diz Kheirallah, ressaltando que nem mesmo a colaboração de "nomes respeitáveis" da
área financeira foi suficiente para
resolver a crise.
Na gestão passada, Ibrahim
Eris, ex-presidente do Banco Central, foi diretor de finanças. O
atual presidente é Antônio Grisi
Filho, ex-sócio do BCN.
Dívidas
As dívidas judiciais cobradas do
Jockey passam de R$ 60 milhões.
"Esses valores ainda estão sendo
discutidos na Justiça. Podem cair
para um terço do total", ressalva
Kheirallah.
O patrimônio do clube teve uma
perda no ano passado, quando foi
vendida, por R$ 5 milhões, uma
área próxima a Campinas (a 95
km de São Paulo) que abrigava
cavalos para criação. A Chácara
do Ferreira, terreno avaliado em
R$ 30 milhões, também já chegou
a ser posta à venda.
"Temos um patrimônio respeitável. A situação financeira é que
não é boa. Não temos liquidez
porque o volume de apostas é
muito baixo", diz Kheirallah.
O número de sócios, que dez
anos atrás chegava a 8.000, caiu
para 6.000 e, dentro de um ano e
meio, não deve passar de 3.000,
pelas estimativas do clube. O motivo das baixas é uma tradição
rompida em outubro passado,
quando os sócios passaram a pagar mensalidades (cerca de R$
100). A inadimplência já é de 50%.
"O Jockey era superavitário. Por
muitos anos, pôde dispensar a colaboração dos sócios. Hoje está
em uma situação em que não pode abrir mão disso. Alguns não se
conformaram com a mudança",
afirma o diretor de finanças.
Esse não foi o único rompimento com uma tradição do clube.
Em 1996, os dias de apostas por
semana foram reduzidos de cinco
(domingo, segunda, quinta, sexta
e sábado) para quatro. Por falta de
apostadores, a sexta-feira foi excluída do calendário.
Glamour
Mesmo com a crise financeira, o
glamour do Jockey permanece.
Para marcar um casamento nos
seus salões durante a semana, pode-se demorar mais de um ano.
O clube passou a concentrar cada vez mais eventos sociais e culturais em 1998, como desfiles do
MorumbiFashion e shows do
Free Jazz Concert.
Foram inaugurados os restaurantes Charlô e Mercearia São Roque, até hoje bem frequentados, e
chegou a ser projetada a construção de um shopping center nas
suas dependências.
A exigência de traje social para
frequentar alguns espaços caiu há
quase uma década. Nos últimos
meses, passou a ser permitida até
mesmo a entrada com tênis na ala
social do Charlô. "A imagem está
se renovando. Está sendo quebrado o tabu de que o Jockey é fechado para uma elite arcaica. Queremos mostrar que é um lugar de
gente normal", afirma Kheirallah.
Essas mudanças, porém, não
bastaram para recuperar as finanças do clube. Outras tentativas,
como a expansão das apostas por
telefone, a criação de agências de
jogos e a transmissão de corridas
pela TV por assinatura, também
não foram suficientes. "Do jeito
que está, não dá mais", diz o diretor de finanças da instituição.
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