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DANUZA LEÃO
Mudanças radicais
Em pânico, ele ligou para o
amigo. A empresa onde trabalha está em fase de enxugamento, e os boatos rolam pelos
corredores; por isso está nervoso,
preocupado, histérico, arrancando os cabelos.
Há anos se habituou a um salário de sonho; passa os fins de semana onde quer, frequenta os
restaurantes mais caros, troca de
carro todo ano e viaja sem problemas -cartão de crédito é para isso mesmo. Mas agora está precisando de conversar. Na verdade,
não quer conversar, quer falar; se
encontraram num sábado à tarde
e, com um uísque bem grande na
frente, ele se abriu.
Começou dizendo que, se realmente for demitido, não sabe o
que vai fazer da vida. Felizmente
não vai precisar se mudar: o
apartamento é próprio, está pago,
e nos últimos anos guardou algum dinheiro para, numa eventualidade, poder viver um ano
sem trabalhar e sem baixar
-não muito- o padrão de vida.
Mas, só de pensar, fica em pânico.
E se nesse prazo não pintar nada?
Seu trabalho é bom, ele gosta do
que faz, mas o estresse é permanente. Claro: uma atividade que
envolve responsabilidade, luta
por poder e por dinheiro tem que
ser estressante.
Ele não pára de falar: como será
sua vida sem aquele salário maravilhoso, depositado rigorosamente todo dia 5, com direito a férias e 13º? Como viver com menos? Que gastos vai cortar sem sofrer demais? O personal trainer
será o primeiro -pode perfeitamente fazer ginástica sozinho-,
e o analista, o segundo; afinal,
deita no divã duas vezes por semana para falar de problemas de
trabalho e se suas previsões se
confirmarem acaba o assunto.
Pode também dar um tempo no
vinho às refeições; cá entre nós,
por mais que tenha se esforçado
fazendo cursos e lendo a respeito,
nunca conseguiu verdadeiramente distinguir um vinho inacreditável de um mais ou menos; que
culpa tem de ter passado a infância tomando guaraná?
De roupa, não vai precisar tão
cedo; sem reuniões com empresários, os ternos -todos de grife, faz
parte do jogo- vão ficar mesmo
é num fundo de armário, com os
bolsos cheios de naftalina. Aí, deu
o primeiro sorriso: reuniões nunca mais, que felicidade.
E as viagens? Quatro ou cinco
vezes por ano ia ao exterior por
alguns dias -a trabalho, claro-
e não tinha tempo nem para comprar uma gravata. Isso sem falar
das dezenas de vezes que pegava
um avião de manhã para outra
cidade e voltava à noite, literalmente arrasado. Fora os coquetéis e jantares para fazer contatos,
na perspectiva de fechar novos
negócios, e as noites mal-dormidas pensando "será que vou conseguir?". E isso lá é vida?
Sorriu pela segunda vez e serviu
mais um uísque. Os filhos, já
grandinhos, iriam poder continuar no mesmo colégio pelo menos por um ano. Mas adeus professores particulares; iriam ter
mesmo que dar duro nos estudos
como todo mundo e começar a
aprender o que é a vida, coisa que
ele nunca teve coragem, nem tempo, nem paciência para ensinar
-mais um ponto a favor, mais
um sorriso. E mais um uísque.
A vida vai mudar, claro, e longe
dele pensar que é melhor ter pouco dinheiro do que muito. Lembrou-se dos tempos em que era
uma emoção ir a Nova York. De
uns anos para cá, a cidade tornou-se sinônimo de trabalho duro, de reuniões intermináveis;
quem sabe ele recupera o tempo
perdido? Lembra-se de quando
era jovem, tinha pouco dinheiro e
ia para a Washington Square sonhar com o futuro. E pensa que
há séculos não vai a um cinema
de tarde, com tanto filme bom para ver, nem conversa com um
amigo para questionar a vida.
Não por falta de tempo, é que
simplesmente não dá. E a mulher
com quem dorme na mesma cama e a quem há anos não pergunta se é feliz? Aliás, há quanto tempo não se faz a mesma pergunta?
Foi falando, falando e lembrou
que toda segunda-feira de manhã
a arraia mais miúda do escritório
chegava contando o fim de semana: um churrasco num sítio, com
direito a pagode, e o relato do que
tinham feito acabava em risadas
gerais. Ele, que havia passado o
sábado e o domingo espichado no
sofá se recuperando do estresse da
semana, ouvia com o maior desprezo, achando tudo uma pobreza. Embalado pelo quarto uísque,
ele decide: segunda-feira comunica ao chefe que está indo embora.
O futuro? De uma coisa ele sabe,
por experiência própria: mais dia
menos dia, o telefone vai tocar.
Ele sempre toca.
E-mail: danuza.leao@uol.com.br
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