São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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AMBIENTE

Segundo o IBGE, só 14% das cidades dão destinação adequada ao resíduo, que pode ser tóxico, poluir e causar doenças

Brasil não trata lixo de serviços de saúde

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
Caminhão despeja resíduos de saúde não tratados em lixão de Sorocaba (a 100 km de São Paulo)


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 4.000 toneladas de resíduos produzidos pelos serviços de saúde são coletadas a cada dia, segundo as prefeituras de 5.507 municípios brasileiros. Pelo menos 20% desse lixo (800 t) é constituído por materiais patogênicos (capazes de transmitir doenças), químicos (potencialmente tóxicos) e radiativos. Quase todos esses produtos perigosos estão sendo despejados no ambiente sem o tratamento adequado -muitas vezes sem nenhum tratamento.
É o que mostram os resultados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2000.
Das prefeituras ouvidas no estudo, apenas 14% (779) disseram tratar o lixo de saúde adequadamente, seguindo o que determinam as resoluções nš 5/93 e nš 283/2001 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Por outro lado, 22% das cidades (1.193) admitiram jogar os resíduos no ambiente sem nem sequer tratá-los, e outros 2.041 municípios (37%) nem coletam o lixo de saúde de forma diferenciada, como determina a legislação.

Nordeste
Entre os municípios que dizem não tratar de forma alguma os resíduos estão grandes geradores, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte -que estimam coletar juntos 78,4 toneladas/dia de lixo de saúde- e todas as capitais nordestinas, com exceção de Aracaju -que recolhem 95,6 toneladas diárias, segundo o IBGE.
Se não é separado e tratado, o resíduo de saúde vai parar em aterros que não têm equipamentos específicos para eliminar suas características perigosas ou, pior, em lixões a céu aberto, onde, além de animais que podem transmitir doenças, costuma haver catadores, inclusive crianças.
Há ainda 1.557 municípios (28%) que disseram queimar o lixo a céu aberto ou dar outras destinações consideradas inadequadas, como valas sépticas.
Esse último método é usado, por exemplo, em Curitiba (PR), cidade considerada referência na área de lixo. As valas sépticas têm, ao menos teoricamente, uma manta de impermeabilização do solo e são cobertas com cal para eliminação de agentes patogênicos. Segundo especialistas do setor, é uma solução temporária.
Das capitais, só Rio Branco (AC) e São Paulo dão tratamento adequado ao lixo, usando os métodos de incineração e de queima por meio de microondas, respectivamente. Na pesquisa do IBGE, cada cidade podia afirmar dar mais de um tipo de tratamento.

Preocupante
"A situação, como se apresenta, é preocupante, e já está mais que na hora de algo ser feito nesse setor", diz a engenheira sanitarista Denise Formaggia, diretora da regional de saúde do litoral norte de São Paulo e autora do trabalho "Aspectos Legais e Responsabilidades do Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde".
Com ela concordam representantes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) e Cetesb (agência ambiental do governo de SP), além de infectologistas e responsáveis pela separação e acondicionamento do lixo gerado em hospitais universitários paulistas.
Entre as razões para a falta de tratamento, eles apontam as dificuldades financeiras das prefeituras para investir em tecnologias adequadas e o fato de a preocupação com o problema e a legislação que o regula serem recentes -tomaram força só na década de 90.
Entre os casos mais notórios envolvendo a incorreta destinação do lixo de saúde estão o da contaminação por Césio 137, em 1987, em Goiânia (GO); o de indigentes que comeram, em 94, carne humana num lixão de Olinda (PE) que recebia resíduos de hospitais; e o da poluição do rio Guandu -que abastece 82% da região metropolitana do Rio de Janeiro-, em parte por resíduos hospitalares despejados no lixão Japeri (Baixada Fluminense).
"O lixo de serviços de saúde é um reservatório de microorganismos potencialmente perigosos. Pode disseminar microorganismos resistentes no ambiente; causar ferimentos, por meio dos materiais radioativos e dos perfurocortantes [agulhas, lâminas, bisturis etc."; e provocar envenenamento e poluição, seja pelo derramamento de produtos como antibióticos e drogas tóxicas ou por elementos como mercúrio e dioxinas [ambos cancerígenos"", alerta a OMS (Organização Mundial da Saúde), em documento do seu programa específico para manejo do lixo de saúde.

Legislação
Para efeito de separação, tratamento e destinação, o Conama divide os resíduos segundo as características de risco que cada uma de suas parcelas oferece ao ambiente e ao homem.
Para a parte patogênica, são considerados adequados a incineração (desde que o incinerador seja devidamente licenciado e fiscalizado), a queima em forno de microondas e a autoclave (espécie de panela de pressão que esteriliza o lixo por meio de vapores em altíssimas temperaturas).
Remédios e quimioterápicos usados, vencidos, alterados, interditados ou impróprios para o consumo têm de ser devolvidos ao fabricante ou importador, por meio do distribuidor. Materiais radioativos devem ser entregues à Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear). O lixo comum (80% do total) pode ser reciclado ou ir para aterros sanitários.
As determinações da resolução de 2001 têm de ser colocadas em prática até outubro deste ano. Eventuais descumprimentos das normas representam infrações da Lei de Crimes Ambientais, que podem resultar em multa e prisão de até quatro anos.


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