São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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ALTA FREQÜÊNCIA

Moradores da região da avenida reclamam de interferência em aparelhos eletrônicos; hospitais blindaram salas

Antenas fazem teclado "falar" na Paulista

RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A primeira vez foi um susto. O teclado musical que a advogada Célia Marcondes deu aos filhos passou a transmitir a programação das rádios da região da avenida Paulista. "No início assustei, pensei que havia alguém na sala."
Não demorou para a advogada descobrir: a interferência das antenas no entorno da Paulista, um dos símbolos de São Paulo, era a resposta para o teclado musical com som de rádio. O fenômeno virou até tema de piada numa das reuniões da associação de moradores do bairro, da qual Célia é presidente. "Todo mundo começou a falar de interferência em aparelhos eletrônicos, fax..."
Motivo de gozação para os moradores, a interferência causada pelas antenas preocupa especialistas, fez hospitais se equiparem, despertou atenção da prefeitura e mereceu críticas até mesmo da entidade representante de emissoras de rádio e TV do Estado.
Em comum, o consenso de que é necessário controle da quantidade de antenas instaladas em São Paulo, sobretudo na Paulista. Há 42 estações de TV e de rádio FM na cidade, 29 delas na região, segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Procurados pela reportagem, nem o Ministério das Comunicações nem a Anatel nem a prefeitura sabem o ritmo de evolução na implantação de antenas. Certo mesmo é que mais uma entra em operação ainda neste ano, da Globo -uma torre de 115 m que abrigará o canal 19 (cabo) e o transmissor reserva do canal 5, ambos hoje no pico do Jaraguá.
"A densidade da potência [na Paulista] está aumentando", afirma o engenheiro elétrico Mário Leite Pereira Filho, do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). O instituto finaliza estudo encomendado pela prefeitura sobre a radiação não-ionizante (a irradiada pelas antenas). Pereira Filho antecipou que as medições não excederam os limites da Anatel.
Quem pediu o levantamento ao IPT foi a Sempla (Secretaria Municipal do Planejamento), que prepara uma regra para disciplinar a instalação de antenas na capital paulista. A fiscalização atualmente é feita pela Anatel.
Questionada sobre a regularidade das antenas instaladas em São Paulo, a assessoria de imprensa da Sempla afirmou que fornece dados só sobre casos específicos. Já de acordo com a agência regulatória, não existe comprovação de que a exposição à radiação provoque efeitos à saúde.
Se é capaz de prejudicar a saúde, ele não sabe, mas Manoel Alves Fernando, 52, também morador das proximidades da Paulista, não consegue falar ao telefone sem ouvir uma voz estranha. "É tirar o telefone do gancho e começar a escutar interferência. Com orelhão, é a mesma coisa", disse.

Hospitais blindados
No setor privado, os hospitais da região da Paulista reagem ao crescimento das antenas com blindagens. Santa Catarina e Nove de Julho, dois dos três consultados, instalaram "gaiolas de Faraday", uma tela que bloqueia a radiação e evita a interferência da poluição eletromagnética aos equipamentos. O Sírio-Libanês não respondeu à Folha.
No Santa Catarina, que fica na avenida Paulista, o processo começou na década de 90. O centro cirúrgico, o CTI (Centro de Terapia Intensiva) e as salas destinadas à eletroencefalografia já têm a blindagem. No final de 2005, foi a vez do setor de cardiologia. "Um equipamento muito sensível pode fazer uma leitura equivocada. Para evitar imprecisões, protegemos o recinto de contaminações", disse Antonio Barroqueiro, gerente de infra-estrutura do hospital.
Perto dali, cercada por radiação e antenas, a advogada Célia Marcondes, aquela cujo teclado musica reproduz o som de rádios, disse torcer por mais rigidez no controle de implantação das antenas.
Obcecada por ver ao redor tantas estações transmissoras, ela pinta, por hobby, quadros cujo tema são as antenas. São quatro no apartamento dela. "É uma beleza exótica, mas que me incomoda."


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