São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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OPINIÃO

Bagdá é aqui

WALTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O PCC (Primeiro Comando da Capital), desde fevereiro de 2001, declarou guerra ao Estado de São Paulo. Como as fundamentalistas organizações terroristas de matriz wahabita e também como as associações mafiosas, o PCC emprega a estratégia de atacar e de submergir. Em São Paulo, quando essa organização criminosa submerge, as autoridades saem a cantar vitórias e a passar uma falsa imagem de tranqüilidade para a população.
No seu primeiro grande ato de força, o PCC dominou 29 presídios em 19 cidades, manteve reféns, usou presos como massa de manobra, ridicularizou autoridades que sustentavam na televisão e nas rádios a sua inexistência e provocou 19 mortes.
Quando os cabeças do PCC, -custodiados em presídio de segurança máxima-, sentiram-se incomodados com as decisões do juiz-corregedor de Presidente Prudente, ordenaram, em março de 2003, a sua execução sumária. A sentença foi passada em estabelecimento prisional tido como de segurança máxima. O juiz Antonio José Machado Dias acabou fuzilado numa emboscada, logo depois de deixar o fórum.
Com a eliminação de Machado Dias, o PCC acabava de incorporar a máxima mafiosa, que continua a exibir: "Somos sempre os mais fortes". Essa organização mantém controle de territórios, dentro e fora dos presídios, difunde o medo e promove ataques surpreendentes e bem coordenados, como ocorreu de sexta para sábado. Pior, mantém uma rede tão ágil como as neuronais.
Ensina o magistrado Piero Grasso, procurador nacional antimáfia, que a palavra mágica para contrastar a criminalidade organizada é a coordenação. Na obra "La Máfia Invisibile", avisa: "Para coordenar de verdade, é necessário uma cabeça pensante, aquela que conta com todas as informações e meios à sua disposição, de modo a estar capacitada a imprimir as diretivas justas".
Por aqui, o modelo federativo e as ambições políticas regionais desprezam a coordenação. Em São Paulo, como até as muralhas dos presídios sabem, as polícias Civil e Militar não se comunicam a contento. A Secretaria Nacional de Segurança Pública é um apêndice do Ministério da Justiça, com expressão meramente nominal.
Sem código penitenciário, fortalecimento da magistratura do Ministério Público, sistemas judiciário-policial eficaz e política criminal adequada a enfrentar o estruturado fenômeno da delinqüência organizada, não há esperanças. E PCC, Comando Vermelho, Terceiro Comando, Amigo dos Amigos, e outros, já transformaram-se num sistema de poder.
O PCC difunde violência e ousadia a partir dos presídios e da sua sinérgica rede de comunicação. Não se pode pensar em combatê-lo com eficácia só quando ele comete ações graves e espetaculares. Deve essa organização ser enfrentada de maneira ordinária, racional, organizada e sistêmica, isto é, de todas as formas e sempre dentro da legalidade.
Depois da nossa última madrugada de Bagdá, as autoridades do governo do Estado de São Paulo afirmaram, num repetido e surrado discurso, que esperavam pela reação do PCC. No entanto, não fizeram nada para se prevenir dos ataques nem avisaram à sociedade civil. Pelo que se sabe, os policiais que morreram não estavam alertados e os distritos policiais atacados, sem reforços.
Por último. Não se deve olvidar que a criminalidade organizada, que emprega como o PCC métodos terroristas e mafiosas, passe do ataque às autoridades de polícia às agressões aos civis inocentes. O governador Lembo deveria pensar nisso.


Walter Fanganiello Maierovitch, 59, preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, é professor de direito penal e, como especialista convidado, colaborou com a Convenção das Nações Unidas sobre Criminalidade Organizada


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