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Aos 90, Dorina continua a lutar pelos deficientes visuais
Cega desde os 17, a paulistana foi a idealizadora da Fundação Dorina Nowill para cegos, a maior entidade filantrópica da área no país
LINA DE ALBUQUERQUE
DA REVISTA DA FOLHA
Ela nunca escolhia, era sempre escolhida. Por causa de um
golpe de vista infalível e de uma
agilíssima coordenação motora, as jogadoras de barrabol
-antigo campeonato que tem
parentesco com o popular
queimado jogado nas escolas-
disputavam para ter Dorina
Nowill no time.
Mas quando perdeu a visão,
aos 17 anos, o interesse de Dorina pelo barrabol já havia sido
trocado pelos bailes e pelos
flertes com os rapazes que conhecia no caminho do externato Elvira Brandão, então um
dos mais tradicionais da cidade
de São Paulo.
A última imagem que Dorina
viu na vida, em 1936, foi a fotografia de um navio do álbum de
viagem de uma amiga da mãe
que retornava da Europa. Depois, foi acometida por uma patologia ocular irreversível.
Hoje, aos 90 anos completados em 28 de maio, presença
ativa no conselho da Fundação
Dorina Nowill para Cegos, a
maior entidade filantrópica na
área do país, ela virou o jogo da
história dos deficientes visuais
brasileiros.
"As pessoas me perguntam
se eu senti o meu mundo desabar quando perdi a visão. Não.
Eu apenas me senti cega", diz
Dorina, que conheceu o marido, o advogado Edward Hubert
Alexander Nowill, hoje com 87
anos, nos EUA, quando estudava na Universidade Columbia
como bolsista de uma fundação
voltada para educação e reabilitação de cegos. Eles se casaram
em 1950 e tiveram cinco filhos
e 12 netos.
Foi a primeira aluna cega que
frequentou um curso regular,
na Escola Normal Caetano de
Campos, bem antes de a palavra "inclusão" ter entrado para
o dicionário politicamente correto das deficiências.
Depois, como queria ler e havia poucos livros transcritos na
linguagem dos cegos no Brasil,
criou -junto de um grupo de
oito normalistas do Caetano de
Campos, nenhuma delas cegas- o primeiro curso de alfabetização e educação especial
para cegos da América Latina,
dentro de uma escola de formação de professores.
Em seguida, conquistou o
apoio de voluntários da Cruz
Vermelha para começar a traduzir as primeiras grandes
obras da literatura em braile.
Assim, uma década após ter
perdido a visão, nascia a Fundação Padre Chico, mais tarde
convertida, em sua homenagem, na Fundação Dorina Nowill para Cegos.
Cegueira rara
Dorina passou muito mais
anos vivendo sem enxergar.
Sua patologia é extremamente
rara e ela nunca teve conhecimento, nas centenas de congressos dos quais participou
em diversos países, de nenhum
caso parecido. A causa que provocou um derrame nas suas retinas continua desconhecida.
Na esperança de voltar a enxergar, submeteu-se a diversas
cirurgias. Tudo em vão. O pouco que se sabe é que se fixou
sangue em suas retinas provavelmente após um rompimento de vasos.
Apesar da ausência da visão,
Dorina é pródiga em narrativas
detalhistas, coloridas, extremamente visuais. "Ela é capaz de
enxergar dentro das coisas",
compara o artista Gustavo Rosa, que pintou um retrato de
presente para ela, entregue na
festa dos 90 anos.
As imagens que a aniversariante guardou em sua prodigiosa memória remetem a uma
São Paulo da década de 1930.
Tempo em que a modernidade
em transporte coletivo atendia
pelo nome de "camarão", em
alusão ao bondinho vermelho
que sacolejava pelas sossegadas
ruas de São Paulo.
A noventona é assumidamente vaidosa. Nunca compra
uma roupa sem que lhe descrevam minuciosamente os detalhes e três vezes por semana,
acompanhada da sua personal
trainer, dá quatro voltas na praça perto da sua casa no Alto de
Pinheiros.
Três vezes por semana também, Dorina continua dando
expediente na fundação.
Uma das 26 personagens do
livro "Recomeços" (ed. Saraiva,
160 págs., R$ 29), que reúne depoimentos de pessoas que enfrentaram mudanças significativas em suas vidas, Dorina
marca posição sobre o uso do
diminutivo na abordagem de
portadores de deficiência.
Quando era presidente do conselho da União Mundial dos
Cegos, viajava com frequência.
Em uma viagem, a aeromoça
insistia para que ela aceitasse
um "chazinho" ou uma "aguinha". Dorina recusou as ofertas
no tom infantilizado e pediu
um uísque. Mesmo imaginando
os olhos arregalados da aeromoça, completou: "Duplo".
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