São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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SAÚDE

Droga para câncer ajuda a tratar acne

Dermatologistas receitam bloqueador de hormônio para mulheres com problemas relacionados à testosterona

BRUNO LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

A flutamida, remédio com indicação formal para tratamento do câncer de próstata, está sendo utilizada por dermatologistas para tratar, em mulheres, casos específicos de acne, de excesso de pêlos e queda de cabelo.
Embora o registro do medicamento no Ministério da Saúde -feito em 11 de novembro de 1991- não preveja a sua utilização nesses quadros, a flutamida é apontada pelos médicos como uma droga eficaz, se utilizada corretamente.
Calvície feminina, hirsutismo (excesso indesejado de pêlos em partes do corpo em que eles normalmente não existem) e certos tipos de acne têm relação com a testosterona, hormônio masculino que também é produzido no organismo da mulher.
Quando há uma produção excessiva de testosterona ou quando os receptores específicos desse hormônio são hipersensíveis, a mulher pode sofrer o que os médicos chamam de virilização. Em casos mais graves, pode ocorrer o aparecimento de barba cerrada ou mesmo aumento do clitóris.
Esses problemas diminuem com o uso da flutamida. Isso porque o remédio bloqueia a ação da testosterona, impedindo a ligação do hormônio com seus receptores, que estão diluídos no citoplasma das células do corpo.
Na acne, a indicação é para casos que não respondem a outros tratamentos, sobretudo a chamada acne da mulher adulta, que aparece geralmente por volta dos 30 anos e costuma piorar no período da menstruação.
"Já tinha ouvido de muitos médicos que não havia solução. Mas tive uma melhora de pele, de auto-estima, de tudo. Perguntaram até se eu tinha feito plástica", conta Maria do Carmo Altieri de Oliveira, 39, que fez o tratamento para acne e ainda toma pequenas doses do remédio.
Além de identificar a dose correta para cada paciente, são necessários cuidados especiais na utilização do medicamento. O primeiro é o acompanhamento da função do fígado, através de exames periódicos. Entre os efeitos colaterais relatados estão complicações relacionadas a esse órgão, como hepatite (inflamação), insuficiência (incapacidade de cumprir a função habitual) e necrose (morte dos tecidos).
Outro cuidado se refere à gravidez. "O remédio pode inibir a diferenciação do sexo do bebê, induzir um aborto ou causar má-formação do feto", diz o médico Marcelo Gennari, do departamento de ginecologia da USP.
A flutamida não deve ser utilizada por homens (a não ser nos casos de câncer de próstata). Pequenas doses já seriam capazes de causar alterações graves.
Um terceiro ponto que deve ser observado é se a libido da paciente diminui. Na mulher, a testosterona está relacionada à manutenção da formação de proteínas (massa muscular) e também tem ação no desejo sexual.
"A mulher às vezes não nota a alteração da libido tanto quanto o homem, ou não relaciona com o remédio, pensando que há outras causas, como estresse. O médico tem obrigação de perguntar sobre isso", declara a dermatologista Denise Steiner.
Para o professor de dermatologia da UFRJ Celso Tavares Sodré, com o acompanhamento adequado, a droga é segura. "É um remédio polêmico, mas que tem resultados muito bons."
Segundo o Cebrim (Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos), que é ligado ao Conselho Federal de Farmácia, os estudos que se referem ao uso da flutamida não apresentam resultados suficientemente consistentes para recomendar a aplicação dermatológica. Para o órgão, são necessários estudos mais amplos.
Entre os países em que o remédio está registrado estão EUA, França, Itália, Bélgica, Canadá, Turquia, Argentina e Suécia -só para o câncer de próstata.
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de junho de 2001 a maio de 2002, foram vendidas no país 46 mil unidades -com 21 comprimidos de 250 mg cada uma- do genérico Flutamida, que custa R$ 46,41.


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