São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2006

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ANÁLISE

Escola do crime

A abundância de jovens sem perspectivas facilita a arregimentação do PCC; o treino e a disciplina ajudam na organização e nas ações capazes de parar a cidade

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

O ranking nacional de aprendizado dos alunos em português e matemática, divulgado neste mês, é uma das explicações para o poderio do PCC. A cidade de São Paulo demonstrou, nessa prova, pior desempenho do que quase todas as capitais.
Ruins na média, os índices das escolas paulistanas são especialmente devastadores na periferia, ajudando a formar multidões de jovens que, pela baixa qualificação, não conseguem se colocar no mercado de trabalho -e, assim, se seduzem pelas ofertas do crime organizado.
Para entender o poder de arregimentação do PCC é preciso, antes de mais nada, prestar atenção à informação levantada pela Fundação Seade: 65% da população entre 15 e 19 anos mora na periferia, onde faltam os mais diversos serviços públicos, a começar do policiamento. Esse grupo terá poucas condições de usufruir de uma educação de qualidade, capaz de levá-los a se inserir na sociedade. O caminho mais provável, para muitos, é a evasão.
A taxa de desemprego juvenil em várias bairros da periferia, de acordo com o Dieese, chega a 70% -a média para todas as idades gira em torno de 16%. Apenas na cidade, cerca de 500 mil pessoas entre 15 e 24 anos, o suficiente para lotar cerca de oito estádios do Morumbi, nem estudam nem trabalham.
O quadro se agrava ainda mais quando se contabilizam os números de toda a região metropolitana, foco de arregimentação do PCC -e, aí, se chega a perto de um milhão de jovens, entre 15 e 24 anos, que não fazem nada e, pela baixa escolaridade, não têm perspectivas profissionais.
Para muitos desses jovens, o caminho para o crime organizado - inclusive o PCC- é quase uma linha reta, começando dos problemas familiares. Em regiões periféricas, uma mulher tem em média quatro filhos e, em geral, começa cedo, ainda adolescente. O que se vê cada vez mais é o pai ausente; ou um pai ou padrasto presente, mas violento. Freqüentemente, o álcool é um dos ingredientes associados à desestrutura familiar. Acrescente-se que, na falta de ofertas de lazer e cultura, os bares tornam-se uma das grandes atrações e garantia de divertimento barato. O que também significa mais combustível à violência, a começar da violência doméstica.
Esses jovens, sem perspectiva, rejeitados pela escola e pela família, acabam encontrando na gangue uma dupla satisfação: fonte de renda e de auto-estima. A gangue passa a ser a família que eles não tiveram e o escudo para que sejam respeitados e temidos.
Como eles se sentem com pouco a perder e precisam dar uma demonstração de coragem e de solidariedade com o grupo, ficam expostos e acabam indo para a cadeia. A essa altura já sabem, há muito tempo, que conseguem ganhar, em um dia na criminalidade, o que não fariam em um mês honestamente - e, a essa altura, já ficariam insensíveis à violência.
Quando chega à prisão, ele é um ser disciplinado e treinado para obedecer às ordens do crime organizado. Sabe que, nesse ambiente, a pena de morte faz parte de um código de honra. Não pagar dívida, por exemplo, é um deslize tido como, literalmente, mortal. Ao sair da cadeia, ele sabe que a desobediência é uma falta grave -e, além do mais, não teria mesmo onde conseguir ganhar dinheiro fora da delinqüência.
A abundância de jovens sem perspectivas facilita a arregimentação do PCC; o treino e a disciplina deles ajudam na organização e nas ações arriscadas capazes de parar uma das maiores cidades do mundo.


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