São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997.



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PROSTITUIÇÃO INFANTIL
Pesquisa apoiada pelo Unicef faz ligação entre pesca e prostituição em Mato Grosso do Sul
Pantanal entra na rota de turismo do sexo

RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Corumbá (MS)

O Pantanal do Estado de Mato Grosso do Sul entrou na rota do turismo sexual.
Esse turismo é movimentado por pescadores e turistas vindos principalmente de São Paulo.
Uma pesquisa inédita, realizada com o apoio do Ministério da Justiça, Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e do governo estadual de Mato Grosso do Sul, mapeou e identificou 65 pontos de prostituição em seis cidades da região pantaneira localizada dentro dos limites do Estado.
"A grande constatação do levantamento é a ligação estabelecida entre pesca e prostituição", conclui a psicóloga social que trabalhou na pesquisa, Jacy Corrêa Curado, 34.
Campanha
O Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social), que foi responsável pela realização da pesquisa, lançou na última quinta-feira em Corumbá (MS) uma campanha pela erradicação da prostituição infanto-juvenil e do turismo sexual no Estado.
O turismo de pesca no Estado recebe anualmente cerca de 200 mil pessoas, das quais 70% provenientes de São Paulo, segundo dados da Diretoria de Turismo do governo estadual.
A campanha é planejada e dirigida para os turistas e para os moradores da região.
Em Porto Murtinho, cidade com 11 mil habitantes à beira do rio Paraguai, funcionam seis "whiskerias" (boates com prostitutas).
Em Campo Grande, que tem quase 600 mil habitantes, há 12 estabelecimentos desse tipo.
As boates empregam mais de cem garotas de programa vindas de São Paulo, Goiás, Paraná, Minas Gerais e até do Paraguai e do Chile, segundo estimativa realizada pelo Conselho Tutelar da Infância e da Adolescência.

Sistema
As garotas podem ser contratadas por uma ou duas semanas e acompanham os pescadores em barcos e hotéis flutuantes.
Outras 50 mulheres, conhecidas como "free-lancers", hospedam-se em hotéis e procuram fechar programas nos bares e ruas, abordando os turistas.
O juiz local, Alexandre da Silva, 32, que passou a receber telefonemas com ameaças veladas após ter fechado uma "whiskeria" por 30 dias, disse que a cidade está "virando sinônimo de pescaria com diversão sexual".

Ausência do Estado
O juiz atribui parte da responsabilidade pelo problema à "ausência do Estado".
A cidade não tem delegado, promotor ou defensor. O último comandante da Polícia Militar do município foi assassinado em abril, quando prendia cinco homens por arruaça.
Silva disse que a riqueza trazida pela pesca a toda a região é passageira.
Quando a atividade é proibida por lei, de novembro a fevereiro, "ficam apenas as crianças drogadas e prostituídas".

Coxim
Na cidade de Coxim, localizada no norte do Estado, a prostituição acontece não só na cidade como também nos "ranchos".
O "ranchos" são acampamentos de pesca montados ao longo dos rios Taquari, um dos formadores do Pantanal, e Coxim.
Os pescadores ficam de uma a duas semanas com as prostitutas nos acampamentos.
A presidente do conselho tutelar e vereadora Olívia Campos Melo Fontoura (PSDB), 40, disse que a prostituição praticamente dobra durante a realização dos festivais de pesca na cidade.
"A pobreza faz com que alguns pais até ofereçam as filhas", afirmou Olívia.
Em Corumbá, há cerca de 87,8 mil habitantes e 16 pontos mapeados de prostituição.
As boates lotam vans com prostitutas e circulam pelos principais bares e pontos turísticos para mostrá-las aos visitantes.
São distribuídos panfletos e cartões de visita com os locais onde os turistas podem ir.

Corumbá
A diretora de proteção especial da Promosul (Fundação de Promoção Social) do governo estadual, Marina Sampaio Bragança, 44, disse, na primeira apresentação da pesquisa, que a situação em Corumbá é "a mais séria, pelo envolvimento das meninas com as drogas".
A pesquisa do Ibiss é parte do Plano Estadual Integrado de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, criado em abril pelo governo do Estado.
O plano também prevê recuperação das crianças exploradas nas áreas que foram identificadas e mapeadas.



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