São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2000

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LETRAS JURÍDICAS
Limites da TV na Constituição

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Continuo a conferir direitos e responsabilidades constitucionais dos meios eletrônicos de comunicação neste ano, em que a televisão passa dos cinquenta anos. Parto para o tema a contar da portaria nº 796 do ministro José Gregori, da Justiça, que, tendo respeitado a plena liberdade da informação jornalística, dispensa-me de cuidar do parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição, que trata dela. A informação jornalística é inteiramente livre de censura. Não pode, porém, violar a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas comuns e a honra de todas, cabendo a reação contra seu abuso apenas aos próprios atingidos e não a qualquer órgão governamental.
A preocupação maior observada na comunidade volta-se para os enlatados, com suas violências, para os eróticos ou pornográficos e mesmo para programas ditos populares, em que geralmente são os mais pobres que terminam como massa de manobra para aumento da audiência. O campo compreendido pelo parágrafo 2º do artigo 220 é amplo. Proíbe "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Ora, a portaria ministerial estabelece no artigo 2º "que fica terminantemente vedada a exibição em horário diverso do permitido" dos programas pelas emissoras de televisão. Vejo aí um excesso inconstitucional, que não resistirá à crítica do Judiciário. É forma restritiva de direitos. Enfraquece os fins almejados pela boa intenção que inspirou José Gregori. Se o ministro houvesse admitido apenas a função indicativa das faixas etárias, não haveria problema jurídico, mas, em vez disso, até ajudaria as emissoras e os responsáveis pelos menores na fixação de critérios aceitáveis.
O limite admitido pela Constituição se restringe à natureza indicativa de normas legais ou administrativas. Poderão sempre dizer à sociedade que, nos horários compreendidos por elas, os menores das idades indicadas não devem assistir aos programas. Só. Se a emissora descumprir a faixa, nenhuma punição lhe poderá ser imposta, embora o artigo 16 da portaria sujeite "o infrator às penalidades previstas na legislação pertinente". É disposição a ser eliminada. Os principais destinatários da decisão do Poder Executivo não são as emissoras, mas a sociedade em geral, os pais ou responsáveis. Eventual punição só é admissível em juízo, mediante requerimento do ofendido.
O outro lado da questão é bastante óbvio. Acredita-se, ou ao menos se espera, que, ao ouvirem as vozes da comunidade, prossiga o equilibrado entendimento já iniciado entre o administrador público, o ministro e os entes privados (no caso, a Abert), para um meio-termo útil. A cidadania sabe, pela experiência colhida em tempos de ditadura, que nada confirma a adequação do discernimento de censores públicos para determinar o que convém ao povo. Recordo o exemplo do filme "O Último Tango em Paris", proibido, faz alguns anos, pela Justiça paulista para transmissão, para São Paulo, pela Rede Bandeirantes. Pois São Paulo ficou isolado nesse disparate insuportável: o filme continuou passando livremente no resto do Brasil.
Exemplos históricos mostram que censores públicos, com seus temores, suas manias, seus defeitos e eventuais qualidades pessoais, não representam o bem comum e os valores médios éticos da pessoa e da família. O ministro disse que sua portaria não é censura. Não deve ser. "Censura nunca mais!", gritarão, entre outras, as pessoas da Comissão de Justiça e Paz, na qual Gregori foi dos membros mais interessados.



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