São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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EDUCAÇÃO

Crise no mercado privado ocorre, segundo as instituições, devido a uma oferta de vagas superior à demanda

Sem alunos, 25% das escolas podem quebrar

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O crescimento vertiginoso do número de instituições privadas de pré-escola e educação fundamental e média em São Paulo nos últimos seis anos acabou por se tornar o maior vilão desse mercado. A oferta de vagas não encontrou resposta na demanda. Em razão disso, cerca de 1.500 (25%) das 6.000 escolas pagas do Estado podem fechar as portas até o final de 2003, segundo o próprio sindicato do setor (Sieesp) e consultores da área ouvidos pela Folha.
Outras tantas, segundo o Sieesp, não devem resistir a três ou quatro anos, a menos que se fundam.
Dados do Ministério da Educação confirmam o quadro. No ensino médio, por exemplo, o número de escolas ou cursos novos (ciclos) em São Paulo aumentou em 93% entre 1996 e 2001, enquanto o número de matrículas caiu 14,7%. No ensino fundamental, as taxas cresceram 93,0% e 0,3%, respectivamente. Na pré-escola, 126,5% e 50%. Em seis anos, escolas paulistas do ensino médio perderam 47 mil alunos.

600 mil sem escola
No Estado todo, entre 70% e 80% das escolas estariam "trabalhando no prejuízo", segundo o Sieesp. Muitas delas estariam prestes a fechar suas portas porque não há dinheiro para quitar os impostos e acertar salários com professores e funcionários.
Nas escolas particulares paulistas de pré-escola, ensino fundamental e médio, estudam cerca de 1,26 milhão de alunos e lecionam 60 mil professores. Metade deles pode ter de mudar de escola ou ficar sem emprego.
O sinal de alerta -acionado neste mês com a fusão de escolas tradicionais em São Paulo- ainda não foi ouvido pelas autoridades educacionais. Embora a educação seja uma obrigação constitucional do Estado, MEC e Secretaria da Educação de São Paulo informaram que a crise das escolas privadas é problema de seus mantenedores. A função dos governos federal e estadual seria zelar pelas vagas no ensino público.
Nos anos 70, foi o Estado que incentivou a abertura das escolas privadas, lembra o presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo, Luiz Antonio Barbagli, 51. "Agora, espera-se que o governo tenha uma atuação."
A taxa de inadimplência nas escolas pagas (cujas mensalidades vão de R$ 300 a R$ 400, no interior paulista, e de R$ 650 a R$ 1.000, na capital), em decorrência da queda de rendimento médio do trabalhador brasileiro (10.6% desde 1999, segundo o IBGE), não é um fator primordial para a crise do setor, como poderia se esperar.
A partir dessa constatação, João Paulo dos Santos Nogueira, 48, o diretor do Ipso Dados, um instituto de pesquisa que presta assessoria na área de educação, conclui que a queda nas matrículas não se deve a uma migração para a escola pública. "Deve-se a uma queda na natalidade da classe média."
Ele cita o bairro classe média de Santo Amaro, zona sul, e os dados do IBGE, para ilustrar essa queda. Na região, o Censo 2000 contou 5.670 jovens de 15 a 19 anos e apenas 2.503 crianças de 0 a 4 anos. "Num período de 15 anos, houve uma queda de 56%", diz. Enquanto em 1985/87 havia 5.670 crianças entrando na pré-escola, agora só existem 2.503 candidatas.
Pelo IBGE, mães com oito ou mais anos de estudos têm hoje uma média de 1,6 filho. Mulheres com quatro anos ou menos de escolaridade têm 3,1 filhos, média que prevalece nas periferias e regiões mais pobres do Estado.
"O problema das escolas privadas é que onde tem dinheiro não tem criança, e onde tem criança não tem dinheiro", diz Nogueira.
Enquanto a demanda de matrículas caía, a oferta de vagas subia, levando a uma sobra de carteiras na classe. "Quando a escola chega a 30% de ociosidade, ela entra no amarelo, já não consegue investir. Se chega a 50%, está no vermelho, no prejuízo", diz Eugênio Cordaro, da Corus Consultores. Segundo suas projeções, apenas 20% das escolas privadas estão com menos de 20% de ociosidade, em "condições razoáveis de rentabilidade, que permitem investimentos". E apenas 10% estariam numa "situação boa". "Para que o mercado se estabilizasse, 25% das escolas -ou 1.500 no Estado- precisariam fechar ou se fundir."
A direção do Sieesp diz que vem detectando a crise há alguns anos. "Muitas escolas ainda não fecharam porque não conseguem acertar suas contas", diz José Augusto Lourenço, presidente do sindicato. Na sua avaliação, um fechamento em grande número, com desemprego de professores e prejuízos aos alunos só não ocorrerá se o governo participar desse processo. "Ainda há tempo, mas dependemos do trabalho sério também da parte do governo."
Federação, sindicato e donos de escola defendem uma redução dos impostos como forma de reduzir a crise. Seria, na opinião deles, uma solução mais justa.
A fusão de instituições, outro caminho apontado para evitar a falência, é um processo demorado nem sempre possível. A unificação, por exemplo, das escolas Logos, Mater Dei e Bem Me Quer, na zona sul de São Paulo, consumiu um ano e meio. Os acertos ainda estão sendo feitos.


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