São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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JUSTIÇA

Acusado foi considerado culpado pelos 24 desembargadores que votaram; pena é de 13 anos e meio de reclusão

Juiz é condenado por homicídio da mulher

Wladimir de Souza/Agência O Globo
O juiz Marco Antônio Tavares (de barba, no banco de trás)


BRUNO LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Pela primeira vez na história do Estado de São Paulo, um juiz foi condenado por homicídio e saiu preso do Tribunal de Justiça. Ele está detido no quartel do Regimento da Cavalaria da PM.
Após sete horas de sessão de julgamento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça -formado pelos 25 desembargadores mais antigos- declarou Marco Antônio Tavares, 47, juiz presidente do Tribunal do Júri de Jacareí (75 km de São Paulo), culpado pela morte da mulher, a professora Marlene Aparecida Moraes. A pena foi fixada em 13 anos e meio em regime fechado, além da perda do cargo de juiz.
Por unanimidade, os 24 desembargadores votantes se convenceram de que Tavares atirou duas vezes na mulher e raspou -utilizando produtos químicos- as digitais dela, para dificultar a identificação do corpo.
Segundo Tania Lis Tizzoni Nogueira, advogada de defesa, Tavares recebeu a decisão "com grande surpresa". A defesa alega que o juiz é inocente e que vai recorrer.
Não houve consenso na hora de quantificar a pena, e a decisão foi tomada pela maioria: 13 votaram pelos 13 anos e meio, nove por 16 anos, e dois por 18 anos. Tavares foi condenado por homicídio qualificado por dissimulação -separado de Marlene, ele teria fingido a intenção de se reconciliar, convidando-a para sair justamente para matá-la.
A sessão foi conduzida pelo presidente do TJ, Sérgio Nigro Conceição, que só vota se há empate.
Marlene foi encontrada morta no dia 30 de agosto de 97 na rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro (SP-123), que liga Campos do Jordão a Taubaté. Embora o crime tenha acontecido oito dias antes, o corpo estava em avançado estado de decomposição. Por isso, precisou ser reconhecido pelas roupas, jóias, esmalte nas unhas e pela arcada dentária.
Testemunhas ouvidas no decorrer do processo disseram que Tavares comprou luvas de borracha em um supermercado no dia do crime -o tribunal concluiu que, com as luvas, o juiz manipulou o produto utilizado para eliminar as digitais de Marlene.
Por ser juiz, Tavares tem direito a foro privilegiado -o que significa ser julgado diretamente pelo órgão colegiado de segunda instância. Ele foi o segundo magistrado acusado de homicídio no Brasil. O primeiro foi um desembargador do Maranhão, em 1873.
O julgamento começou às 9h de ontem e terminou às 16h15, com intervalo de 30 minutos. O acusado chegou ao tribunal apoiando a mão esquerda em uma bengala. Com barba e bigode, o juiz permaneceu praticamente imóvel durante toda a sessão, com as mãos no colo. Após o resultado da votação que o condenou, sua reação foi tirar os óculos, esfregar os olhos e colocar os óculos de volta.
Na acusação e na defesa, as sustentações foram feitas por mulheres. Pelo Ministério Público, falou a procuradora de Justiça designada, Valderez Deusdedit Abbud, que teve na platéia a presença do marido, o ex-secretário da Segurança Pública do Estado Marco Vinicio Petrelluzzi.
Tavares foi apresentado como "frio", "arrogante" e "homem que muitas vezes agrediu a mulher". Marlene, por sua vez, foi descrita como "pobre e indefesa mulher", "apaixonada, mas rejeitada pelo marido". A acusação disse que foi estranho o comportamento do réu, que não foi reconhecer o corpo e que teria passado a falar da mulher com verbos no passado antes mesmo da certeza da morte.
Tania Lis Tizzoni Nogueira, advogada de defesa, disse que o juiz foi vítima de desafetos que quiseram prejudicá-lo durante o inquérito policial. Afirmou ainda que o corpo encontrado não era o de Marlene, que poderia estar viva, e ressaltou que o juiz compareceu a todos os atos do processo.
Segundo a procuradora, Marlene, que amava os filhos e o marido, jamais desapareceria.
Durante a sessão, Marli Moraes, 40, irmã da vítima, saiu do plenário algumas vezes para fumar. "Estou nervosa. Espero por isso há cinco anos."
Ficou grande parte do tempo de mãos dadas com Flávia Maria Soares de Almeida, 39, vizinha e amiga de Marlene.
Durante a descrição dos fatos do dia do crime, as duas se emocionaram, sobretudo quando foi dito que Marlene estava "radiante" ao sair com o juiz. Quando foi anunciada a condenação, a irmã e a vizinha de Marlene, testemunhas importantes no processo, abraçaram-se no plenário.


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