São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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Abordagem da Aids em novela é criticada

Para Ministério da Saúde, médicos e ONGs , "Páginas da Vida", da Globo, mostrou tratamento antiético

LAURA MATTOS
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A maneira como "Páginas da Vida", novela das oito da Globo, iniciou a abordagem sobre a Aids nesta semana gerou duras críticas do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Infectologia e de ONGs que defendem portadores do HIV.
O personagem soropositivo entrou na história no capítulo da última segunda-feira. O principal problema apontado pelas entidades é o fato de o médico Diogo (Marcos Paulo) ter dado a ele o diagnóstico sem antes realizar o teste do HIV, com base apenas na aparência do paciente -magro, abatido e com manchas na pele- e num exame clínico superficial.
Na trama, o infectologista é reconhecido por ter tratado de soropositivos na África.
No episódio seguinte, o paciente diz a Diogo que está com gripe. O médico o contesta: "Você está com Aids e sabe que está. Se quiser levantar e sair do hospital, pode ir, mas pela minha experiência eu posso garantir que você vai morrer".
Manoel Carlos, autor de "Páginas", teve um filho que morreu vítima de Aids, aos 33 anos, em 1988. Procurado ontem pela Folha, disse que a resposta seria dada pela emissora. A Central Globo de Comunicação afirmou achar "estranha a reação precipitada" quando a emissora "resolve tratar de um problema que estava meio escondido do noticiário".
Ontem, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota de repúdio à novela. Para os médicos infectologistas, a "abordagem foi totalmente inadequada e antiética". "A SBI entende que uma emissora com a responsabilidade social da TV Globo deva estar melhor assessorada quando veicular assuntos médicos em sua programação", diz a nota.
Juvêncio Furtado, diretor da SBI, ressalta o fato de uma enfermeira (Letícia Sabatella) ter diagnosticado a doença após um breve encontro com o paciente no corredor. "Depois, ela sai correndo para avisar ao médico, e ele fica tão assustado quanto ela, como se eles estivessem diante de uma bomba."
Ele defende que nenhum médico pode dar um diagnóstico como esse sem antes conhecer o resultado do teste do HIV. "Lutamos há 25 anos para desmitificar a doença, e a novela acabou estimulando o preconceito. A nossa esperança é que o autor se toque dessa besteira e a corrija. Estamos preocupados com a repercussão dessa abordagem", afirmou. Segundo Furtado, são 600 mil os infectados por HIV no Brasil.
O Ministério da Saúde informou que espera que a novela mostre um contraponto à atitude antiética do médico da trama. "A novela pode até estar retratando uma situação que acontece em algum serviço, mas não se faz diagnóstico olhando o paciente e [o personagem] também feriu regras da conduta médico-paciente", afirma Mariângela Simão, diretora do programa de Aids da pasta. Ela destacou que o teste de Aids no país não é compulsório -na novela, o médico Diogo decide fazer o teste apesar da resistência do paciente.
Ainda segundo a diretora, a imagem de um paciente abatido como a do personagem retoma as utilizadas em campanhas no início da epidemia, nos anos 80. Depois verificou-se que as campanhas mais assustavam do que educavam.
"Páginas da Vida" registra a maior média de audiência de novelas dos últimos dez anos. Das TVs ligadas no horário, 68% sintonizam a trama.


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