São Paulo, segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

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carnaval 2010

Quero ser carioca

Com pacotes que custam € 1.200, estrangeiros vêm ao Rio para visitar escolas da terceira divisão, ficar em casas do subúrbio e sambar em ruas de terra batida, longe dos hotéis de luxo da zona sul e da elite do Carnaval carioca

FÁBIO GRELLET
DA SUCURSAL DO RIO

Visitar o Cristo Redentor, conhecer o Pão de Açúcar, sambar sob ar-condicionado na quadra do Salgueiro e assistir de camarote aos desfiles na Sapucaí? Nada disso.
No projeto Sabor de Carnaval, as atrações são os ensaios da escola de samba União do Parque pelas ruas de terra de Curicica (bairro da zona oeste a 57 quilômetros da badalada Ipanema), as aulas de dança e percussão na favela Parque Dois Irmãos, a feijoada da dona Geralda e o convite para ver o desfile na Sapucaí a partir do setor 1, arquibancada popular de onde não se vê muito além da concentração e cujos ingressos são distribuídos de graça pelas escolas. Tudo por 1.200.
"Aqui não tem aquela história de sair do hotel cinco estrelas, entrar na van com ar-condicionado, acompanhar o ensaio ou o desfile e voltar pro hotel cheio de mordomias. É um mergulho na rotina da comunidade que faz o samba, para o gringo sentir o clima do Carnaval", conta Marco Antônio Dias, 44, o Marquinho da Dona Geralda, criador do projeto e filho da responsável pelo cardápio oferecido aos estrangeiros.
Ex-integrante do Oba Oba, grupo de samba liderado por Osvaldo Sargentelli, Marquinho mora na Dinamarca e faz shows pela Europa, mas vem ao Brasil às vésperas do Carnaval. Ele criou o projeto após ouvir reclamações de estrangeiros que haviam passado o Carnaval no Rio. "Eles elogiaram, mas queriam ter conhecido mais a rotina dos sambistas."
O projeto foi lançado em 1999, quando o sambista criou um roteiro de três semanas que também inclui visita a terreiro de candomblé e a fábrica de instrumentos de percussão. Os gringos se hospedam em Curicica -numa chácara alugada ou na própria casa da mãe de Marquinho, conforme o número de interessados.

Mulheres
Neste ano, cinco pessoas -todas mulheres- compraram o pacote, de 28 de janeiro a 18 de fevereiro: a dinamarquesa Nina Fantoft, 24, a sueca Annika Johansson, 28, a inglesa Clare Jullings, 24, e as francesas Kristel Bris e Sandrine Sinagna, ambas de 28 anos.
"Quando viajo, gosto de fazer coisas que não estão no programa dos turistas", afirma a sueca Annika, que é médica e está grávida de quatro meses. "Fiquei surpresa, não imaginava que aqui fosse tão calmo."
"Vim em 2009, adorei e decidi voltar", diz a florista Clare, que por conta própria decidiu ampliar sua estada no Rio de três semanas para três meses.
Se ainda falta samba no pé e desenvoltura para entender a letra do samba-enredo, sobra animação. As cinco estrangeiras compraram, por R$ 100 cada, fantasias para desfilar nesta terça-feira na ala das fadas da escola de Curicica, integrante da terceira divisão do samba carioca. "Vamos dar show no sambódromo", prevê Annika.
"Já cheguei a trazer 30 gringos, mas tive dor de cabeça. Os franceses e os ingleses começaram a se estranhar", diz.
"Em 2002, um inglês saiu à noite e desapareceu. De madrugada, me ligaram da Mangueira dizendo que havia um gringo perdido lá. Ele estava loucão", conta Marquinho, que distribui um crachá de identificação para cada cliente.
"Eu oriento todo mundo sobre os lugares aonde eles podem ir e onde devem evitar, e ofereço programas seguros", diz. "Até hoje nenhum participante do projeto foi assaltado."


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