São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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MOACYR SCLIAR

O jogo da vida


Todos concordaram de imediato com a ideia de assaltar o grande torneio de pôquer; todos menos Franz


 


Homens armados com fuzis Kalashnikovs e granadas entraram no Hotel Grand Hyatt de Berlim, onde era realizado o maior torneio de pôquer da Alemanha. Os assaltantes levaram cerca de 240 mil euros (R$ 585 mil). Segundo um policial, o comportamento deles levou a crer que não eram profissionais.
Folha Online

NÃO, PROFISSIONAIS eles não eram. Tratava-se de um grupo de jovens, que regularmente se reunia num café para conversar; todos desempregados, todos às voltas com problemas de dinheiro, todos desesperados, sem saber o que fazer. Foi então que um deles trouxe a notícia: um grande torneio de pôquer seria realizado, dali a alguns dias, num famoso e luxuoso hotel. Participantes de todo o mundo eram esperados, e grandes quantias seriam apostadas. Os jovens ficaram em silêncio; e então um deles, Franz, que era deles o mais moço e mais ingênuo, perguntou por que o amigo estava dando aquela notícia: era para que participassem do tal torneio? Mas de onde tirariam dinheiro para tal?

 


O recém-chegado pôs-se a rir. Participar do torneio? Que ideia maluca. Não, o que estava propondo era outra coisa: que o grupo assaltasse os jogadores de pôquer. Coisa muito fácil: esse tipo de ação nunca tinha acontecido antes, portanto o pessoal do hotel seria apanhado de surpresa. Mais: já tinha arranjado, por empréstimo, fuzis Kalashnikovs e granadas. À simples vista do pesado armamento, o pessoal, gente fina, entregaria a grana com facilidade.

 


Todos concordaram de imediato. Todos menos Franz. Por uma razão particular: seu falecido pai, homem muito religioso, odiava jogadores e pouco antes de morrer fizera o filho prometer que jamais entraria num local em que se praticassem jogos de azar. Mas os amigos ponderaram que, na verdade, ele estaria homenageando a memória do pai, impondo aos viciados um castigo que nunca esqueceriam. Ainda relutante, Franz concordou em participar.

 


Na noite seguinte, devidamente mascarados e portando as armas, invadiram o saguão do hotel. Foi tudo muito fácil; ninguém resistiu e eles puderam, sem problemas, recolher uma vasta quantia de dinheiro.
Quem estava perturbado era Franz. Nunca tinha estado num salão de jogos. Aqueles homens elegantes, aquelas belas senhoras, as mesas com pano verde, as fichas, tudo aquilo o maravilhava. Tão extasiado ficou que os amigos tiveram de puxá-lo para fora.

 


Apesar do assalto, o torneio teve prosseguimento. No fim de semana, ali apareceu um jovem desconhecido. Trajava um smoking claramente alugado e perguntou se podia jogar. Com o consentimento dos encarregados sentou-se à mesa e tirou dinheiro do bolso. Muito dinheiro, por sinal. E foi jogando, jogando, com uma inabilidade patética, até que acabou perdendo tudo. Levantou-se e saiu, muito perturbado. Tão perturbado que não viu um carro que se aproximava em alta velocidade: foi atropelado e morreu na hora.
O porteiro informou ao gerente que do bolso do jovem tinham retirado duas coisas: uma ficha usada no jogo de pôquer e uma carteira de identidade. O nome que nela figurava era Franz qualquer coisa.

MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.

moacyr.scliar@uol.com.br



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