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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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SISTEMA PRISIONAL

Parte do dinheiro recebido por detentos poderá ser destinado à indenização da vítima e ao ressarcimento do Estado

SP quer cobrar "hospedagem" de presos

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os presos de São Paulo que trabalham podem ter descontados do salário que recebem valores para indenizar suas vítimas ou parentes delas e para cobrir parte dos gastos do Estado com eles.
É o que prevê um projeto de lei da Secretaria da Administração Penitenciária e que, depois de passar pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), deve ser encaminhado para a Assembléia, onde ainda pode sofrer mudanças.
O projeto, resultado de dois anos de discussões, regulamenta o artigo 29 da LEP (Lei de Execuções Penais) -nš 7210/84-, que trata dos possíveis descontos, mas nunca chegou a ser usado em 19 anos de existência de vigência da lei. Hoje, não há destinação de parcelas do salário do detento para vítimas ou para o Estado.
Segundo a LEP, a remuneração dos condenados -de no mínimo três quartos do salário mínimo (R$ 180)- deveria servir para indenizar danos causados pelo crime, conforme ordem judicial, além de bancar o sustento dos familiares, gastos pessoais, poupança, além de atender o ressarcimento ao Estado. ""Isso nunca foi aplicado porque a lei não determinava os valores que poderiam ser descontados", diz o chefe de gabinete da secretaria, Clayton Alfredo Nunes, 42.
Em São Paulo, 35,7 mil detentos trabalham -51,5% dos condenados. Desse total, 17,9 mil prestam serviços a empresas particulares -e recebem- e 15,6 mil para as próprias prisões -sem ganhar.
O projeto de lei estadual fixa em 5% o desconto para indenizar as vítimas, 40% para a assistência dos familiares, 20% para as despesas pessoais dos próprios condenados, 15% para o ressarcimento do Estado, 10% para o rateio entre os presos que prestam serviços internos e 10% para a poupança.
Não há estimativa de quanto seria arrecadado, pois nem todos que trabalham recebem três quartos do salário mínimo por não cumprirem jornada completa.
""No caso do Estado, o valor é considerável porque não se recebe nada hoje", afirma Nunes.
O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, que trabalhou no projeto de reforma da LEP que está no Congresso, afirma que o desconto poderia ter sido feito antes, mesmo sem a criação de lei estadual. É necessário, de acordo com ele, avaliar se não há exagero nos percentuais fixados.
Para o ex-secretário nacional de Justiça João Benedicto de Azevedo Marques, o desconto é simbólico diante do que os presos ganham, mas interessante para a recuperação, que deveria priorizar ainda questões como educação, profissionalização e saúde.
O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da Abrac (Associação Brasileira de Advogados Criminalistas), diz que há problemas em dois pontos do projeto: a porcentagem do Estado é maior do que a destinada às vítimas e a criação do rateio para pagar quem trabalha internamente. ""O Estado deveria receber menos e o projeto vai além da lei de execuções ao criar o rateio", diz.
Um preso com salário de R$ 180, por exemplo, pagaria R$ 27 por mês ao Estado, R$ 9 para indenizar os danos de seu crime e R$ 72 para sua família, entre outros itens. A secretaria informou ontem que as faixas poderão ser rediscutidas e revistas e que a criação do rateio é legal.


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