São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

A prisão ou o inferno

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Tem-se falado muito do recolhimento de líderes do crime organizado em prisão de alta segurança. O assunto da cadeia e dos delitos se presta a todas as interpretações. Há os que querem mais penas, até trabalhos forçados. Há os que defendem a humanização. Há os radicais, cujo anseio seria o de aplicar a pena de morte pelo menos aos reincidentes, mesmo em delitos menores. A questão prisional e da dosagem das penas é complexa. Tende a nunca ser resolvida integralmente, espalhando a descrença coletiva.
Quem quiser informação atualizada e sintética sobre o sistema prisional brasileiro leia "A Prisão", de Luís Francisco Carvalho Filho (Publifolha, 81 páginas). Coloca o leitor em contato com o assunto e discute a eficácia da prisão como instrumento de combate à criminalidade crescente e à violência que dela decorre.
Estudiosos e técnicos da área estão mais ou menos de acordo em reconhecer que muitas prisões brasileiras são insalubres, superlotadas, corrompidas e, pior que tudo, esquecidas. O trabalho profissional é restringido. O estudo é dificultado (às vezes sob a alegação de prejudicar a segurança), falta assistência jurídica até para os que têm direito à liberdade. Os motins nas prisões são uma das consequências. O problema não é apenas brasileiro. Nas prisões dos Estados Unidos, há cerca de 2 milhões de delinquentes, dos quais expressivo percentual vive em condições muito ruins, sobretudo nas cadeias estaduais. Não nos serve, contudo, para aliviar nossas preocupações.
Apesar do quadro negativo, a história das prisões no mundo mostra progressos, escreve Luís Francisco. Antes, no passado remoto, recolhiam escravos e prisioneiros de guerra, submetidos a controles bárbaros. A mudança começou no século 18, para integrar a prisão ao sistema punitivo oficial. O criminoso passou a ser afastado do mundo externo, punindo, segundo se acreditava, não apenas o seu corpo, mas também sua alma. As primeiras penitenciárias começaram há uns 200 anos, nos Estados Unidos, conduzindo ao recolhimento noturno e à permissão do trabalho diurno. As condições são as mais heterogêneas possíveis pelo mundo afora.
Durante muito tempo, os delitos contra o patrimônio tiveram suas penas relativamente exacerbadas em face de outros crimes. Em épocas mais recentes, houve a tendência de agravar o castigo dos danos contra a pessoa e dos crimes mais espetaculosos, chamando atenção pontual do Legislativo para leis mais duras. Não é um bom critério.
Luís Francisco faz restrições à política de privatização das prisões ante as poucas experiências existentes e a influência negativa dos interesses econômicos e de seus mecanismos de pressão. Observa corretamente que a tolerância zero, de que tenho tratado ocasionalmente, é perversa, porquanto o preso -mesmo em delitos menores- deve ter tolerância máxima para os maus-tratos nas cadeias nacionais.
Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminalista. Sua visão, portanto, não é a do leigo, mas a do profissional habituado com as deficiências do sistema penal brasileiro e das consequências geradas para condenados e não-condenados, tornando inócua a presunção constitucional de inocência. A leitura do pequeno volume mostra a importância de reformular nossa avaliação de um problema impossível de resolver definitivamente, mas por certo com condições de eliminar muitos de seus males.



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