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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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DANUZA LEÃO

Na crista da onda

Se você é daquelas que gostam de estar sempre muito, mas muito na moda, fique sabendo: não há nada mais moderno, nos dias de hoje, do que dar uma de antiga.
Começando pela casa: alguns móveis devem ter um ar de herança de família, assim como a louça, os talheres e os cristais. E atenção: para acrescentar um charme a essas lembranças, o ideal é que elas venham acompanhadas de uma historinha, tipo "essa sopeira foi de minha bisavó, que ganhou de presente de casamento dos Silva, de Botucatu, depois foi para a minha avó, para minha mãe e agora está comigo" -chiquérrimo, não? Tanto os Silva quanto a própria família devem ter raízes bem fincadas na terra, pois não há nada mais na moda do que pertencer à aristocracia rural (mas basta ser do interior para dar o maior pé). As pessoas têm que sentir o cheiro dos seus antepassados, para não pensarem que você brotou de uma árvore.
Quando convidar alguém para jantar, diga, como quem não quer nada, que a galinha (caipira, claro) que estão comendo veio da fazenda, que a receita é de família e que a cozinheira é neta da empregada de seus avós. Depois do café, um licor de jenipapo de fabricação caseira vai fechar com chave de ouro esse jantar tão chique -e tão simples.
Ah, outra coisa: nada de jogo americano colorido ou com estampas, comprado em Nova York: toalha branca bordada de branco, se possível de linho, e também de família (se tiver um furinho, melhor ainda, é vintage). As flores devem ter sido arrumadas nos vasos por você mesma, e atenção à sutileza: colhidas do seu próprio jardim.
As crianças devem ter nomes antigos, tipo Maria Leopoldina ou Maria Leocádia, e deverão vir à sala depois do jantar para o boa-noite: as meninas de cabelo comprido e liso, tendo no pescoço um cordãozinho de ouro com uma medalha que pertenceu a uma avó distante. A mãe deve recomendar que rezem antes de dormir, pois nessa casa reinam a tradição, a moral e os bons costumes, valores que não podem ser comprados num shopping.
Os casamentos devem ser bem à moda antiga, e à festa devem ser convidados todos os parentes, sobretudo os que ainda moram no interior, o que é chiquérrimo. O bolo e os doces terão sido feitos pela mesma doceira que fez todos os casamentos da família, e se a grinalda que foi da mãe não tiver sido comida pelas traças e a noiva usar, aí é show. O padre, que todos conhecem e chamam pelo nome, foi quem batizou a família inteira, e em sua oração deve explicar, durante longuíssimos minutos, o que é um casamento de verdade.
A cerimônia acontecerá dentro das mais antigas tradições, pois a moda no século 21 é fazer de conta que se vive no século 19; mas, em nome do pensamento liberal, é permitido que a noiva esteja ligeiramente grávida.
Nunca, nessa família, alguém teve problemas de drogas ou de sexo, e dos que roubaram, traíram, delataram e passaram os irmãos para trás na hora da herança, ninguém fala.
Na festa, alguém vai beber demais e dar algum tipo de vexame, o que faz parte, e é bem capaz de contar histórias escabrosas do passado, mas como a culpa vai ser toda da bebida, não se fala mais nisso.
Aí a festa acaba e chega o grande momento da mãe da noiva. É quando ela abre a porta de casa meio de pilequinho, tira os sapatos de salto 12, o vestido apertado, se joga na cama com um prato de bem-casados e pensa aliviada que, com a filha casada, resolveu um problema.
Mal sabe ela.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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