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SEM FRONTEIRA
Além de diversão, imigrantes procuram emprego e orientação de conterrâneos em feira aos domingos no Pari
Praça de SP vira "embaixada" da Bolívia
CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL
Onze horas da manhã de domingo e eles já começam a montar suas barracas ao redor da praça Padre Bento, no centro do bairro do Pari, região central de São
Paulo. O cheiro de tempero picante de comida típica toma conta do ar, assim como o som do
grupo Kjarkes, o sucesso do momento nas emissoras de rádio em
La Paz, a capital da Bolívia. Os bolivianos, com ou sem documento
legal, estão chegando para o seu
sagrado encontro dominical.
São 6.000, 7.000, 8.000 pessoas
que passam por lá até o fim da festa, lá pelas 21h, segundo cálculos
do sargento Felix, da Polícia Militar. "Aqui é La Paz", ele diz.
Os vizinhos reclamam. Dona Gê
colocou grade na pequena entrada de sua casa para impedir a proximidade dos embriagados. "Eles
bebem demais e fazem muito barulho", ela diz. Não conseguiu,
porém, impedir que seu muro e o
de seus vizinhos se transformassem num banheiro a céu aberto.
Os bolivianos adoram cerveja.
Não por acaso, a praça foi rodeada de bares para a imensa comunidade boliviana que vive em
São Paulo e lá se apinha não só para matar a saudade de sua terra
com seus conterrâneos como para procurar emprego, trocar informações sobre documentos, arranjar um lugar para morar, receber orientação dos imigrantes veteranos, ganhar algum dinheiro
na barraca, que pode ser de alimentos, sucos, malhas, cereais,
especiarias (como a picante "locoto", uma espécie de pimenta).
A feira, ainda não regularizada
pela prefeitura, funciona ao redor
da praça e é dando voltas em torno dela que os bolivianos revivem
o velho "footing" das praças das
cidades de interior. Não há coreto
com bandinha, mas a música boliviana folclórica, que se intercala
com alguns hits do rock, garante
uma trilha sonora animada. Há
vendedoras com trajes típicos e,
aqui e ali, uma bandeirinha verde,
amarela e vermelha a sinalizar
que estamos num improvisado
território boliviano.
Há pouco artesanato na Padre
Bento e muitos CDs por R$ 5. Tudo parece barato. Custa R$ 2 o
quilo da fava fresca, R$ 0,50 o generoso copo de "chica de mani"
(suco de amendoim) ou de "khisa" (pêssego seco), menos de R$
30 a malha de lã grossa o bastante
para enfrentar o frio boliviano,
em torno de R$ 3 a disputada
cumbuca de "fricassê", versão
longínqua da feijoada brasileira,
um guisado de carne de porco em
pequenos pedaços, com milho,
batata e muita pimenta.
Eles contam que há sempre um
novo boliviano chegando a São
Paulo com a mudança, com a
mesma esperança de melhorar de
vida. Se for pobre, seu primeiro
passeio será a feira da Padre Bento, uma espécie de embaixada.
Depois vem a mulher, a criança, a
sogra, a mãe ...e o número nunca
pára de crescer. "Houve épocas
em que fazíamos aqui um campeonato de futebol com 20 times
bolivianos", conta um deles.
Há um cálculo recorrente entre
eles sobre o total de bolivianos em
São Paulo: pelo menos, 70 mil. Os
mais exagerados falam em 100 mil
pessoas.
Ninguém arrisca contestar porque ninguém consegue contá-los.
A grande maioria se esconde nos
milhares de confecções coreanas
que congestionam os subterrâneos do Brás, trabalhando e vivendo ilegalmente -como seus
patrões- num esquema de escravidão, das 6h, 7h até tarde da
noite, em troca de um salário que,
no máximo, alcança R$ 500 ao final do mês se o nível de produtividade ultrapassar a fronteira da escravidão. Fala-se que funcionam
pelo menos 30 mil confecções
nessas condições em São Paulo.
Os coreanos são espertos. Saem
da toca aos domingos para colocar anúncios na praça Padre Bento em busca de costureiros e costureiras bolivianos que estão à
procura de trabalho.
Não tem registro, não tem férias, não tem 13º salário, não tem
nenhuma garantia, mas é o que
garante a sobrevivência nesta terra que foi escolhida para escapar
da miséria da Bolívia.
Hoje, quem passar perto da praça Padre Bento verá, de graça, o
que há de mais popular na dança
e na música folclórica do país que
divide uma extensa fronteira com
o Brasil, do Acre a Mato Grosso
do Sul, passando pelos Estados de
Rondônia e Mato Grosso.
Os bolivianos estão ensaiando
para a festa de sua padroeira, Nossa Senhora de Copacabana (eles
também têm uma Copacabana,
perto do lago Titicaca, dividido
entre Peru e Bolívia), que acontece na primeira quinzena de agosto
com uma autêntica "la morenada", a dança típica de La Paz.
Os bolivianos têm Nossa Senhora de Copacabana no céu e Clara
Ant, a administradora da regional
da Sé (que inclui o Pari), na terra
que adotaram para viver. Descobriram que ela também nasceu na
Bolívia e contam com a conterrânea para regularizar o espaço que
ocupam aos domingos.
Com o apoio da Acomesp, eles
querem fazer a feira se transformar numa atração turística, com
música ao vivo, artesanato, culinária. Uma feira de verdade.
Só não pergunte aos bolivianos
o que quer dizer a sigla Acomesp
(Associação dos comerciantes
ambulantes e prestadores de serviços em pontos fixos nas ruas e
logradouros do município de São
Paulo), que eles citam com frequência. Ninguém chega à metade da tradução.
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