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MOACYR SCLIAR
Metamorfose
Experimento mostra que pessoas
confiam mais em quem se parece
com elas. As pessoas realmente gostam de se enxergar nas outras. Um
novo estudo revela que indivíduos
tendem a confiar em quem tem o rosto mais parecido com o próprio.
Ciência, 8.jul.2002
Na empresa todos temiam
o chefe. Era um homem autoritário, brutal mesmo, que não
usava de meias palavras quando
xingava seus subordinados: "Você não passa de um traste" era
uma de suas expressões
preferidas.
Como os outros, Marcelo morria de medo do homem. Recém-casado e com um filho pequeno,
precisava desesperadamente do
emprego e faria qualquer coisa
para mantê-lo, para agradar o
chefe. Mas, e aí estava a questão,
que coisa? Ele não sabia. Até o dia
em que leu no jornal uma notícia
falando da confiança que as pessoas depositam naqueles que com
elas se parecem. E isso lhe deu
uma idéia.
Um pouco parecido com o chefe
ele já era. Os dois tinham o rosto
redondo, os dois tinham olhos
castanhos, os dois tinham orelhas
um pouco grandes. Com algumas
modificações, ele poderia ficar
igual ao homem. De imediato começou a trabalhar nisso. Em primeiro lugar, passou a usar ternos
escuros, como o do chefe. Mudou
o penteado; ele tinha uma vasta
cabeleira, o chefe usava um corte
severo. De posse de uma foto deste
foi a um conhecido cabeleireiro,
pediu um corte semelhante a de
seu modelo. O cabeleireiro cobrou
caro, mas o penteado ficou perfeito. Por fim, teve de recorrer até a
uma pequena cirurgia plástica,
para remover um sinal do queixo.
Pelo qual, aliás, sempre tivera certo carinho. Mas com o futuro não
se brinca.
As transformações não pararam aí. Passou a imitar o chefe
em tudo: no jeito de andar, na
maneira de falar, nos cacoetes
até. E a verdade é que deu resultado. O homem nunca comentou
nada, mas começou a tratar Marcelo muito melhor. Promoveu-o,
deu-lhe um aumento de salário.
Um dia chamou-o ao escritório.
Marcelo foi -não sem preocupação. Teria o homem, por fim, se
dado conta do que estava acontecendo? Seria aquele o momento
da verdade, o momento em que
seria despedido por causa do
truque?
Não. O chefe mandou que ele
sentasse. Ficou em silêncio um
instante, depois abriu a gaveta, tirou de lá uma foto, estendeu-a a
Marcelo. Que, ao olhá-la, sentiu
um baque no coração: ele era
idêntico ao rapaz que ali aparecia, absolutamente idêntico.
-Meu filho, disse o chefe.
Surpreso, Marcelo viu que ele tinha lágrimas nos olhos. O homem
continuou:
-Ele faleceu. De um acidente.
Era meu único filho e eu pretendia passar-lhe o comando da empresa. Agora, você ficará no lugar
dele.
Abraçou Marcelo efusivamente:
a partir daquele momento, ele seria sócio, não mais empregado.
Marcelo correu para casa. Estava ansioso para contar à mulher o
que tinha acontecido. Mas, quando chegou, reinava a maior confusão: a empregada tinha ido embora, a comida não estava pronta, o bebê chorava e a mulher estava em prantos.
-Você não passa de um traste,
disse Marcelo, irritado. E aí se deu
conta: a transformação estava,
enfim, completa.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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