São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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LEGISLAÇÃO

Desembargador elogia idéia de revisão da Lei de Crimes Hediondos, mas diz que só políticas públicas solucionam conflitos
"Direito penal não resolve problema social"

FERNANDA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, considera a proposta de revisão da Lei de Crimes Hediondos -defendida na última segunda-feira pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos- excelente, mas diz que o direito penal não foi feito para resolver problemas sociais.
"A idéia de que o direito penal é capaz de solucionar conflitos sociais é a maior tolice do mundo. O direito penal não foi criado para resolver quer problemas éticos, quer problemas sociais."
Franco afirma que a ausência de políticas públicas e o alto nível de exclusão são responsáveis pela criminalidade intolerável no país.
Para ele o crime faz parte da vida em sociedade, mas o Estado deve administrá-lo a níveis razoáveis, o que não tem sido feito. Em vez disso, o Estado criminaliza a pobreza.
"Quem está num nível de miséria é um perturbador do sistema econômico. O Estado mínimo não está preocupado com o social", afirmou Franco.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha na sede do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Folha - Desde o início de vigência da lei a população carcerária cresceu e a criminalidade também. Qual a explicação, já que determina penas maiores e o regime de cumprimento integral fechado, sem possibilidade de progressão?
Alberto Silva Franco -
Para os crimes em que a lei é mais rigorosa (caso dos hediondos), a incidência aumentou. Subiram os homicídios, o tráfico. Não houve mudança de nada em razão da lei, a não ser essa balbúrdia punitiva que nasceu a partir dela.

Folha - Isso demonstra a incapacidade do Estado de lidar de frente com seus problemas sociais?
Franco -
Sem sombra de dúvidas. E o Estado faz isso com o apoio dos meios de comunicação social, que não estão desligados dos grupos hegemônicos. Acontece que se dá um efeito comunicativo muito elevado à violência. Existe violência, mas há um conceito redutor que equivale crime à violência. Como se criminalidade e violência fossem conceitos superpostos. E sabemos que existe muita violência além do crime, coisas terríveis acontecem além do crime. Os meios de comunicação não se preocupam com esses outros tipos de violência e criam um clima de intranquilidade. Para resolver, o que se faz? Cria-se uma lei penal. Não resolve, cria outra. E assim vai num moto-contínuo.

Folha - O que rompe esse ciclo vicioso?
Franco -
Políticas públicas sociais. Mas que tipo de política pública se realiza quando se tem que manter o superávit primário para pagar os juros da dívida externa? O nosso problema não é penal, é social. A idéia de que o direito penal é capaz de solucionar conflitos sociais é a maior tolice do mundo. O direito penal não foi criado para resolver quer problemas éticos, quer problemas sociais. Não é porque se cria uma figura criminosa e se coloca a etiqueta de hediondo que desaparece o conflito social. Ele vai permanecer. E se vê alguns "bustos falantes", âncoras de programa de televisão pedindo o agravamento de penas, como se isso resolvesse o problema da insegurança coletiva.

Folha - Como o senhor vê então a proposta de alteração da lei de crimes hediondos?
Franco -
A proposta é excelente. Essa lei é eivada de inconstitucionalidade. Ela deu ensejo à abertura de uma perversidade no campo penal, estabelecendo todos esses desníveis de valorização punitiva, com penas absolutamente desequilibradas. Dizer que alterar a lei vai colocar um número imenso de presos nas ruas é para pressionar o voto dos ministros do STF (para votar pela constitucionalidade). O objetivo é criar o pânico e inerciar o Judiciário. Mas se ao lado da alteração não se tentar reinventar o Estado brasileiro nada vai mudar.

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