São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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BARBARA GANCIA

A fé que não salva

Consigo entender os motivos que levaram o presidente Lula a se encantar com George W. Bush. Preferiria mil vezes sair para dançar com Bush filho do que com John Kerry, que parece ter sangue de basset hound correndo nas veias.
Consigo concordar com boa parte da cartilha econômica do partido de Bush, que prega uma menor interferência do Estado na vida do contribuinte.
Consigo compreender os motivos que levaram Bush a rejeitar o Protocolo de Kyoto, que prevê a redução dos gases emitidos na atmosfera. Quando Bill Clinton se comprometeu com o tratado e com metas ambiciosas demais para serem cumpridas, ele já tinha um pé fora da Casa Branca.
Consigo até encontrar boas justificativas para a guerra do Iraque. Considerando a instabilidade da área e sua importância estratégica, a noção de que os EUA (com sólida aliança por trás) deveriam estar presentes no Oriente Médio não me é ultrajante.
O que realmente não consigo aceitar é que o presidente dos Estados Unidos use de sua fé na hora de legislar.
Como se já não bastassem a) o programa para convencer jovens a abdicar do sexo antes do casamento (que só serviu para promover a ignorância sobre métodos de contracepção), b) a tentativa de banir a união civil entre homossexuais e c) o fato de o presidente não ter feito nada para renovar a lei que bania o comércio de armas de assalto (o "direito de portar rifles AK-47" estaria expresso na Bíblia ou na Constituição?), Bush usou de sua crença religiosa para impedir a pesquisa ilimitada com células-tronco.
Para ter uma noção do retrocesso que isso representa, basta dizer que, em seu primeiro pronunciamento depois da morte do marido, por Alzheimer, Nancy Reagan (que dizem ter sido a responsável por levar Ronald Reagan do centro à direita do espectro político) soltou os cachorros contra Bush.
A morte de Christopher Reeve, que conheci em São Paulo, nos anos 70, quando ele ainda não era o Clark Kent, e sua menção nos debates presidenciais, trouxe o assunto à tona.
Para Bush, embriões fertilizados equivalem a vidas humanas. Mas vem cá: um embrião fertilizado não precisa primeiro se alojar na parede do útero para só então ter chances de começar ou não a se desenvolver?
As clínicas de fertilização guardam milhares de embriões fertilizados, que nunca chegarão a útero nenhum. Em vez de mantê-los congelados eternamente, não seria "ciência sã" (termo de Bush) utilizá-los para salvar vidas?

QUALQUER NOTA

Trocadilho
Em Fort Lauderdale, na Flórida, um amigo tapuia desta colunista empregou US$ 400 na campanha do candidato democrata John Kerry. O dinheiro foi gasto para comprar e distribuir aos amigos cem adesivos com o singelo lema: "Buck Fush".

Comodidade
Alguns camelôs do largo 13 já estão aceitando pagamento com cartão de crédito. Será que isso significa que, em breve, veremos na televisão comerciais com mensagens do tipo: "CD pirata, R$ 5. Tênis Nike do Paraguai, R$ 30. Compras ao ar livre: não têm preço"?

E-mail - barbara@uol.com.br
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