São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Catadores temem futuro após fim de aterro no Rio

Aterro de Gramacho, em Duque de Caxias, deveria ter sido fechado em 2004

Lixão tem 1.300 catadores de material reciclável cadastrados e continua a receber 8.400 toneladas por dia por falta de substituto

ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO

Centenas de catadores de material reciclável passaram ao largo da discussão sobre o fim do aterro metropolitano de Gramacho, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), e ainda têm o futuro incerto, apesar da sobrevida do depósito já vir se arrastando por quatro anos além do previsto.
Com o encerramento marcado para 2004, o aterro, às margens da Baía de Guanabara, continua a funcionar por falta de opção para o despejo das 8.400 toneladas que recebe diariamente. O prefeito eleito Eduardo Paes já deu sinais de que o novo destino do lixo não será resolvido logo.
Ele afirma que não vai usar o projeto do aterro em Paciência (zona oeste) -com problemas na Justiça- e quer discutir com os demais prefeitos da região metropolitana uma solução comum, o que deve atrasar em ao menos um ano a solução.
Além do lixo, também não têm futuro definido os 1.300 catadores de material reciclável cadastrados para trabalhar no aterro -fora os muitos que entram clandestinamente e os aceitos por temporada.
O consórcio Novo Gramacho, administrador do depósito de lixo desde 2007, garantiu R$ 1,2 milhão por ano para a realização de cursos profissionalizantes de inserção social -R$ 923 por catador cadastrado.
"É pior do que o Bolsa Família", diz o presidente da associação dos catadores, Sebastião dos Santos. O consórcio contratou uma profissional para ajudá-los a se organizar na gestão dos recursos.

Escassez
Catadores e aterro estão cada vez mais encurralados. As rachaduras do terreno limitaram o despejo de lixo a apenas 30% dos 130 hectares do depósito, em uma situação de "sobrevida", como admite o gerente do aterro, Lúcio Vianna. Um colapso pode fazer com que todo o lixo deságüe na baía.
"Temos o controle geotécnico diário. Mas, como o lixo está sobre um terreno muito instável, a previsão de uso [do depósito] sempre é de hoje mais seis meses", afirma Vianna.
Ao mesmo tempo, a montanha de lixo e argila que já atinge 55 metros é a tábua de salvação do bairro Jardim Gramacho, com 20 mil pessoas. O entorno do terreno é repleto de depósitos. E o aterro também absorve, temporariamente, moradores desempregados da região.
"Criei meus seis filhos e quatro netos e construí minha casa com o dinheiro tirado disto aqui. Eu estou mais velha e consigo me virar, mas e meus filhos que trabalham aqui?", diz a catadora Ângela Maria Jovelina da Conceição, 64, há 20 no aterro.
Ex-catador, Anderson Julio, 36, trabalha em um depósito. "Trabalhei por nove anos no lixão, mas não tinha mais perna. Se terminar esse lixão, todo mundo que vive disso está desempregado. Se eu, que sou privilegiado e tenho o primeiro grau completo, tenho dificuldade de arrumar emprego, imagina os outros."
O imbróglio judicial sobre o aterro de Paciência fez com que catadores não acreditassem no fim de Gramacho. Mas nesta semana eles já sentiram a ausência do lixo de supermercados e indústrias, que levavam 800 toneladas por dia ao depósito -o cancelamento foi exigido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para o contrato com a Novo Gramacho.
"Desde terça-feira está terrível. Quase não tem material e o pessoal não consegue recolher quase nada", conta Anderson da Conceição, 33.
O gerente Lúcio Vianna, há 12 anos no aterro, preocupa-se com o futuro dos catadores que atuam no local. "Poderiam se organizar e coletar nas repartições públicas e condomínios", afirma ele, para quem falta "visão empresarial" à classe.
Foi o que teve o pai de Rodrigo Faria, 29, ao montar um depósito na entrada do aterro há 30 anos -quando ainda se tratava de um lixão. O material que sai de Gramacho representa hoje só 20% do total com que trabalha a empresa.
"Meu pai teve visão, organização e metas certas. Hoje, só compramos dos depósitos parceiros que recebem de Gramacho. Se a "lixeira" acabar, afeta um pouco. Mas temos alternativas", diz Faria.
Para alguns catadores, trabalhar no aterro é uma mancha no currículo. "Quem vai me contratar depois de seis anos sem carteira assinada?", diz Gilvan Correia do Santos, 55.


Texto Anterior: Rio: Atingida por temporal, casa desaba e garota de 7 anos morre
Próximo Texto: Crise global afeta preço do lixo na Baixada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.