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Catadores temem futuro após fim de aterro no Rio
Aterro de Gramacho, em Duque de Caxias, deveria ter sido fechado em 2004
Lixão tem 1.300 catadores de material reciclável cadastrados e continua a receber 8.400 toneladas por dia por falta de substituto
ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO
Centenas de catadores de
material reciclável passaram ao
largo da discussão sobre o fim
do aterro metropolitano de
Gramacho, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), e
ainda têm o futuro incerto, apesar da sobrevida do depósito já
vir se arrastando por quatro
anos além do previsto.
Com o encerramento marcado para 2004, o aterro, às margens da Baía de Guanabara,
continua a funcionar por falta
de opção para o despejo das
8.400 toneladas que recebe diariamente. O prefeito eleito
Eduardo Paes já deu sinais de
que o novo destino do lixo não
será resolvido logo.
Ele afirma que não vai usar o
projeto do aterro em Paciência
(zona oeste) -com problemas
na Justiça- e quer discutir
com os demais prefeitos da região metropolitana uma solução comum, o que deve atrasar
em ao menos um ano a solução.
Além do lixo, também não
têm futuro definido os 1.300
catadores de material reciclável cadastrados para trabalhar
no aterro -fora os muitos que
entram clandestinamente e os
aceitos por temporada.
O consórcio Novo Gramacho,
administrador do depósito de
lixo desde 2007, garantiu R$ 1,2
milhão por ano para a realização de cursos profissionalizantes de inserção social -R$ 923
por catador cadastrado.
"É pior do que o Bolsa Família", diz o presidente da associação dos catadores, Sebastião
dos Santos. O consórcio contratou uma profissional para ajudá-los a se organizar na gestão
dos recursos.
Escassez
Catadores e aterro estão cada
vez mais encurralados. As rachaduras do terreno limitaram
o despejo de lixo a apenas 30%
dos 130 hectares do depósito,
em uma situação de "sobrevida", como admite o gerente do
aterro, Lúcio Vianna. Um colapso pode fazer com que todo
o lixo deságüe na baía.
"Temos o controle geotécnico diário. Mas, como o lixo está
sobre um terreno muito instável, a previsão de uso [do depósito] sempre é de hoje mais seis
meses", afirma Vianna.
Ao mesmo tempo, a montanha de lixo e argila que já atinge
55 metros é a tábua de salvação
do bairro Jardim Gramacho,
com 20 mil pessoas. O entorno
do terreno é repleto de depósitos. E o aterro também absorve,
temporariamente, moradores
desempregados da região.
"Criei meus seis filhos e quatro netos e construí minha casa
com o dinheiro tirado disto aqui.
Eu estou mais velha e consigo
me virar, mas e meus filhos que
trabalham aqui?", diz a catadora
Ângela Maria Jovelina da Conceição, 64, há 20 no aterro.
Ex-catador, Anderson Julio,
36, trabalha em um depósito.
"Trabalhei por nove anos no lixão, mas não tinha mais perna.
Se terminar esse lixão, todo
mundo que vive disso está desempregado. Se eu, que sou privilegiado e tenho o primeiro
grau completo, tenho dificuldade de arrumar emprego, imagina os outros."
O imbróglio judicial sobre o
aterro de Paciência fez com que
catadores não acreditassem no
fim de Gramacho. Mas nesta semana eles já sentiram a ausência do lixo de supermercados e
indústrias, que levavam 800 toneladas por dia ao depósito -o
cancelamento foi exigido pela
Secretaria Estadual do Meio
Ambiente para o contrato com a
Novo Gramacho.
"Desde terça-feira está terrível. Quase não tem material e o
pessoal não consegue recolher
quase nada", conta Anderson da
Conceição, 33.
O gerente Lúcio Vianna, há 12
anos no aterro, preocupa-se
com o futuro dos catadores que
atuam no local. "Poderiam se
organizar e coletar nas repartições públicas e condomínios",
afirma ele, para quem falta "visão empresarial" à classe.
Foi o que teve o pai de Rodrigo Faria, 29, ao montar um depósito na entrada do aterro há
30 anos -quando ainda se tratava de um lixão. O material que
sai de Gramacho representa hoje só 20% do total com que trabalha a empresa.
"Meu pai teve visão, organização e metas certas. Hoje, só
compramos dos depósitos parceiros que recebem de Gramacho. Se a "lixeira" acabar, afeta
um pouco. Mas temos alternativas", diz Faria.
Para alguns catadores, trabalhar no aterro é uma mancha no
currículo. "Quem vai me contratar depois de seis anos sem carteira assinada?", diz Gilvan Correia do Santos, 55.
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