São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Reforma deve articular e conectar diferentes órgãos

CLÁUDIO BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Reformas no âmbito da Justiça e nas polícias são eventos raros. Via de regra ocorrem no esteio de agudas crises institucionais, por meio de lentos e graduais processos de reestruturação dos sistemas de Justiça criminal.
Na Colômbia, mudanças legislativas profundas precederam a reforma da polícia, visando controlar a corrupção sistêmica que assolava a organização. Lá existem leis que podem afastar qualquer policial de sua função sem nenhuma evidência que não a suspeita de seus superiores. Em Nova York, o exaltado profissionalismo de sua polícia foi precedido de longo processo de reformas iniciado em administrações anteriores e implementados de forma continuada. Hong Kong empreendeu uma ampla mudança de uma das polícias asiáticas mais corruptas para um dos modelos mais modernos de policiamento comunitário.
Da mesma maneira, as polícias irlandesas tiveram que despir-se de seu modelo militarista de lidar com o terrorismo para uma aproximação crescente com as comunidades na qual atuavam.
E no Brasil? Temos uma dificuldade estrutural relacionada à inserção das polícias no interior de nosso sistema de Justiça que, embora definido constitucionalmente, está longe de se constituir num modelo racional de integração e compartilhamento de objetivos. Esta disfuncionalidade não se restringe apenas às polícias, mas se estende a Ministério Público, Poder Judiciário, sistema prisional e a toda a infraestrutura legislativa que rege estas organizações por meio do Código Penal e Processual.
Apenas recentemente os EUA começaram a testemunhar algo parecido com uma integração do sistema de Justiça criminal. Isso significa que há uma certa complementaridade nas ações das polícias, promotores e juízes. Por aqui ainda estamos longe disso. Pelo contrário, o que temos são organizações em conflito e com visões opostas acerca do problema criminal, das soluções e metas a serem perseguidas, a começar das polícias Civil e Militar.
Mas promotores igualmente não estão afinados com as polícias, e juízes ainda vivem em boa medida isolados na redoma do mundo das leis e dos processos. Informações, por exemplo, são recursos estratégicos raramente compartilhados por estas instituições seja por pura veleidade institucional ou até mesmo por interesses inconfessáveis. O resultado são organizações atuando por meio de lógicas autorreferidas e frouxamente articuladas entre si. Daí que qualquer reforma que venha a se fazer no Brasil na busca de resultados para o controle de nosso grave problema de segurança pública deve começar por articular e conectar diferentes órgãos e setores da Justiça, afim de que eles efetivamente funcionem de forma complementar e integrado.
Desobstruir canais e melhorar a comunicação pode ser um bom começo na agenda da integração. Mas, sobretudo, necessitamos uma definição clara dos problemas e de onde queremos chegar na segurança pública. Sabemos qual a matéria pública com a qual o sistema de Justiça lida: policiais, promotores, processos judiciais, prisões, crimes e criminosos, além de orçamentos e recursos operacionais. Mas qual o serviço público que se quer oferecer? Quais os resultados que buscamos para a sociedade? Estas respostas vão muito além de interesses corporativos e localizados, pois dizem respeito às aspirações e interesses mais amplos a sociedade.


CLAUDIO BEATO é coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, da UFMG, e está como professor visitante do David Rockfeller Center of Latin American Sttudies da Universidade de Harvard


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