São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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IRREGULARIDADE
Legista confirma existência de esquema de retirada de órgãos para estudos e rituais de magia negra
IML é acusado de desviar órgãos de cadáveres

RONI LIMA
da Sucursal do Rio

O Rio não convive apenas com o desvio ilegal de cadáveres de hospitais públicos para faculdades de medicina. O médico-legista Paulo Carneiro Ribeiro, 60, confirma a existência de um esquema de retirada de órgãos de cadáveres que são analisados no IML (Instituto Médico Legal).
A retirada ilegal de órgãos não serviria apenas para municiar estudos de legistas e de alunos de faculdades. Outro médico-legista afirma que órgãos são furtados também para uso em rituais de magia negra.
Um dos fundadores do Departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina de Teresópolis (região serrana do Rio), criado em 1970, Ribeiro diz que a retirada de órgãos de cadáveres no IML é uma prática comum.
"Isso não é oficial, mas ocorre", afirma. Segundo ele, a retirada ilegal é facilitada porque familiares do morto ficam sem saber que algum órgão foi retirado. "Depois vai fechar (o corpo), e fica por isso mesmo."
Mas, no caso, sustenta Ribeiro, o desvio de órgãos para legistas e faculdades de medicina serve apenas para práticas educacionais, não envolvendo dinheiro. Segundo ele, esse desvio é praticado normalmente por legistas que buscam auxiliar colegas de forma gratuita.
Embora admita que possam existir desvios de órgãos para rituais de magia negra, Ribeiro afirma desconhecer essa prática.
Não é o que diz um dos mais conceituados médicos-legistas do país, que pediu para não ter o seu nome revelado.
Professor universitário, ele afirma que, há dois anos, estava tirando fotos de cadáveres dentro do IML do Rio, no centro, quando foi ameaçado de agressão por dois homens, que eram conhecidos como "ratos de necrotério".
Segundo esse profissional, os dois homens encheram bolsas de supermercado com órgãos retirados de cadáveres, para vendê-los mais tarde para macumbeiros. O médico -que não trabalhava no IML- apurou então que eram dois ex-funcionários, que circulavam à vontade no prédio.
A Folha contatou uma mãe-de-santo da Baixada Fluminense, que confirmou esse mercado ilegal de órgãos. Segundo ela -que não quer o seu nome publicado-, é fácil comprar corações no IML, em média por R$ 100.
Ela afirma que basta conhecer o funcionário certo. No ritual de magia negra, explica, o coração é costurado com agulha e linhas pretas e vermelhas, para se encomendar a morte de alguém.
Apesar de negar a venda de órgãos para colegas legistas e faculdades, Ribeiro afirma que, no caso de corpos desviados de hospitais, costuma-se pagar "uma cervejinha" para a sua liberação sem autorização.
Ele diz que essa "cervejinha" seria de cerca de R$ 100. O pagamento de propinas para a liberação explicaria por que, em geral, as faculdades públicas dispõem de um número menor de corpos em relação às privadas.
Segundo ele, nas faculdades públicas é mais difícil conseguir verba oficial para essa prática. Ribeiro diz que o dinheiro pago é pequeno, não sendo possível que o técnico de hospital que libera corpos tenha "vida de rico".



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