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LETRAS JURÍDICAS
Estrangeiros na comunicação
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A Câmara dos Deputados
aprovou, em votação próxima da unanimidade, emenda
constitucional permitindo o ingresso de capitais estrangeiros nas
empresas de comunicação social.
A emenda, se acolhida pelo Senado, permitirá a ingerência direta
de capitais privados e indireta de
governos estrangeiros, apesar dos
toscos remendos de sua redação.
É uma ameaça à soberania, à
cidadania e ao pluralismo político, fundamentos da República,
no artigo 1º da Constituição.
O primeiro princípio jurídico a
invocar, no estudo da questão, é o
da ampla liberdade no exercício
do direito, mas nunca tão ampla
que mate a própria liberdade. A
comunicação social, pela mídia
impressa ou eletrônica, é livre da
censura oficial, mas sofre limitações impostas por interesses privados, econômicos, políticos ou
sociais. O artigo 220 da Constituição proíbe a edição de lei que possa constituir embaraço à plena liberdade da informação jornalística, mas não impedirá sacrifícios
a essa liberdade se surgir a poderosa intromissão das moedas fortes do mundo.
Cabe à cidadania discutir se a
participação estrangeira, ainda
que minoritária, será inconstitucional, por deturpar os limites da
liberdade autorizada. A Carta libera de autorização a mídia impressa e reserva para a União a
competência para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de rádio e televisão.
Na exploração direta, o controle
da informação continuará interno, dos próprios governos. Na futura exploração concedida, permitida ou autorizada, o controle
será, ao menos em parte, do capital privado, estrangeiro.
Dir-se-á que o capital nacional
será sempre majoritário, controlador. A inferência é falsa. Ninguém porá valores substanciais
numa empresa de comunicação
sem assegurar (há muitas formas
de garantir a finalidade) limites
ao noticiário ou crítica que não
interesse ao capital empregado.
Ou sem preservar modos de difundir a massa de informações de
seu interesse.
A criação de mecanismos econômicos, empresariais e administrativos será possível no jornalismo, ameaçando o equilibrado
exercício de direitos e garantias
fundamentais previstos no artigo
5º, pelos incisos IV (é livre a manifestação do pensamento) e IX (é
livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença).
Cerceando, como? Através do
poder econômico, que pode atingir os veículos de comunicação
que acolherem o investimento estrangeiro. É fácil projetar, para o
futuro, o exemplo recente de autocensura, aceito pela mídia norte-americana, quando parcela
substancial do suporte econômico
da revista, do jornal ou da rede de
televisão depender do dinheiro
vindo de fora, de modo muito
particular no Brasil, país em que
produções televisivas, oriundas
do exterior, são preponderantes
no mercado.
Nos termos sugeridos pelo projeto de emenda, será até possível
desrespeitar a norma que proíbe o
oligopólio (artigo 220, parágrafo
5º), quando consórcios, constituídos fora do Brasil, adquirirem
participações, aparecendo como
investidores diversificados, mas
submetidos ao mesmo controle.
Há o risco de que a liberdade da
manifestação das opiniões seja
mais aparente do que real. Estaremos usando a liberdade formal
para matar a liberdade substancial da expressão plural das idéias
através dos meios de comunicação. É preciso avaliar todos os ângulos.
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