São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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LETRAS JURÍDICAS

Estrangeiros na comunicação

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A Câmara dos Deputados aprovou, em votação próxima da unanimidade, emenda constitucional permitindo o ingresso de capitais estrangeiros nas empresas de comunicação social. A emenda, se acolhida pelo Senado, permitirá a ingerência direta de capitais privados e indireta de governos estrangeiros, apesar dos toscos remendos de sua redação.
É uma ameaça à soberania, à cidadania e ao pluralismo político, fundamentos da República, no artigo 1º da Constituição.
O primeiro princípio jurídico a invocar, no estudo da questão, é o da ampla liberdade no exercício do direito, mas nunca tão ampla que mate a própria liberdade. A comunicação social, pela mídia impressa ou eletrônica, é livre da censura oficial, mas sofre limitações impostas por interesses privados, econômicos, políticos ou sociais. O artigo 220 da Constituição proíbe a edição de lei que possa constituir embaraço à plena liberdade da informação jornalística, mas não impedirá sacrifícios a essa liberdade se surgir a poderosa intromissão das moedas fortes do mundo.
Cabe à cidadania discutir se a participação estrangeira, ainda que minoritária, será inconstitucional, por deturpar os limites da liberdade autorizada. A Carta libera de autorização a mídia impressa e reserva para a União a competência para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de rádio e televisão.
Na exploração direta, o controle da informação continuará interno, dos próprios governos. Na futura exploração concedida, permitida ou autorizada, o controle será, ao menos em parte, do capital privado, estrangeiro.
Dir-se-á que o capital nacional será sempre majoritário, controlador. A inferência é falsa. Ninguém porá valores substanciais numa empresa de comunicação sem assegurar (há muitas formas de garantir a finalidade) limites ao noticiário ou crítica que não interesse ao capital empregado. Ou sem preservar modos de difundir a massa de informações de seu interesse.
A criação de mecanismos econômicos, empresariais e administrativos será possível no jornalismo, ameaçando o equilibrado exercício de direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º, pelos incisos IV (é livre a manifestação do pensamento) e IX (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença).
Cerceando, como? Através do poder econômico, que pode atingir os veículos de comunicação que acolherem o investimento estrangeiro. É fácil projetar, para o futuro, o exemplo recente de autocensura, aceito pela mídia norte-americana, quando parcela substancial do suporte econômico da revista, do jornal ou da rede de televisão depender do dinheiro vindo de fora, de modo muito particular no Brasil, país em que produções televisivas, oriundas do exterior, são preponderantes no mercado.
Nos termos sugeridos pelo projeto de emenda, será até possível desrespeitar a norma que proíbe o oligopólio (artigo 220, parágrafo 5º), quando consórcios, constituídos fora do Brasil, adquirirem participações, aparecendo como investidores diversificados, mas submetidos ao mesmo controle.
Há o risco de que a liberdade da manifestação das opiniões seja mais aparente do que real. Estaremos usando a liberdade formal para matar a liberdade substancial da expressão plural das idéias através dos meios de comunicação. É preciso avaliar todos os ângulos.


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