São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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COMPORTAMENTO

Excesso de festas e obrigação de estar "bem" provocam ansiedades e aumento de procura por terapias

Fim de ano gera "estresse da felicidade"

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Fim de ano, uma semana para o Natal, duas para o Ano Novo e, como diz um certo anúncio, a "felicidade está no ar".
Tudo conspira para que seja assim: deve-se ficar feliz no Natal, o Réveillon tem de ser inesquecível, todas as festinhas precisam ser "alegres", e a pressão da mídia, da família, dos colegas e dos amigos acaba acarretando, no fim de mais um ano, um desgaste paradoxal: pessoas ficam infelizes porque se sentem na obrigação de estarem "bem", "pra cima".
Essa espécie de "estresse da felicidade" tem um termômetro concreto, que é o aumento, por esses dias, da procura por terapias de combate ao estresse e à depressão.
O médico acupunturista Hong Jin Pai, 49, é um bom exemplo. Em sua concorrida clínica nos Jardins, em São Paulo, ele vê o movimento aumentar 50% nesta época. Conforme diz o médico, nem todos os que ali comparecem em busca do alívio propiciado pelas suas agulhas o fazem pela pressão da "felicidade obrigatória". Mas é a imensa maioria.
"As pessoas acumulam o estresse que foram sofrendo ao longo do ano", diz ele. "Então acontece um desgaste adicional quando elas se sentem obrigadas a sair de suas rotinas para participar de festas, encontros, dar presentes. Têm de se relacionar com pessoas de quem não gostam, com quem entram em conflito. Ou seja, se sentem obrigadas a fazer o que não fariam em outra situação."
O resultado dessa obrigatoriedade -que deveria ser prazerosa- acaba sendo o estresse.
Além de tudo, afirma Hong, existe uma pressão adicional, que é a de passar por tudo, "sobreviver" a Natal e Ano Novo para, finalmente, conseguir chegar às férias. "É muito desgastante", diz.
O médico Artur Zular, 40, é especialista em medicina psicossomática e dirige o Instituto Qualidade de Vida, clínica do bairro do Pacaembu que agrega profissionais de saúde de diversas áreas para, como o próprio nome diz, tornar as relações entre as pessoas e dessas com o seu meio mais satisfatórias. Ele também identifica, no seu dia-a-dia, evidências do "estresse da felicidade".
"Essa expressão é muito boa, porque define bem o que ocorre. Os profissionais de saúde sabem disso: cresce a procura por tratamentos porque aumenta esse estresse. E por que ele ocorre? Porque, ao longo deste mês, as pessoas estão buscando desesperadamente uma felicidade que deverá ocorrer em determinada noite, no Natal ou no Ano Novo."
Segundo Zular, existe, sim, uma ansiedade no ar, já que "hoje em dia há famílias desintegradas, casais separados, há conflitos pessoais e profissionais de diversas ordens, e você vai ter de encarar tudo isso dentro de uma perspectiva de que deve ser bom, ser feliz. Acaba sofrendo por antecipação".
Para o médico, a busca da felicidade precisa, necessariamente, ir além disso, deve ser "alguma coisa mais intensa, uma forma de perceber a vida".
"Em princípio, você pode ou não ser feliz, mas essa pressão social condiciona a felicidade a uma maravilhosa noite festiva."
Na opinião do médico, existe uma legião de excluídos, como os que não conseguem viajar no fim do ano ou não têm presentes para comprar. Esse tipo de pessoa, segundo ele, faz com que o movimento do instituto cresça aproximadamente 30%.
"Há um aumento real dos casos de pessoas que percebem que estão sendo vítimas dessa situação e buscam ajuda. E o corpo também sofre, com o surgimento de doenças psicossomáticas, como gastrite, colite, crises hipertensivas, angina, infarto, enxaqueca, urticária e principalmente dor na coluna, que simboliza bem esse peso."
Isso sem falar no "incentivo social" ao consumo de álcool nas festas que se sucedem. "Há uma libação alcoólica, come-se muito e mal. Por isso dezembro acaba sendo o pior mês do ano para muitos pacientes."
Na opinião de Zular, deve-se perceber como está distorcida a questão do consumo nesta época. "Você pode fazer a bondade ou ter uma atitude de cidadania, com responsabilidade social, o ano todo. E o excesso de expectativa em relação ao Ano Novo também é negativo. No entanto aqueles que de alguma forma não concordam com esses evidentes exageros se sentem segregados, porque o bombardeio é muito forte."

Reflexão
Na visão do psiquiatra e professor da Escola Paulista de Medicina Jair Mari, 49, como nesta época as pessoas são instadas a refletir sobre seu ano e a fazer balanços de suas vidas, aqueles que tiveram alguma experiência negativa vão naturalmente sofrer mais.
Isso, a rigor, não seria negativo, porque o momento poderia ser de reflexão, de fazer um balanço pessoal intenso. "O problema é que existe uma expectativa muito grande da sociedade de que você tenha se dado bem. Precisa ter feito conquistas em casa, no trabalho, ter comprado um carro novo, feito uma poupança..."
Segundo Mari, o aumento da depressão que decorrer desse ambiente de felicidade obrigatória encontra dois grupos mais vulneráveis: "Os idosos, que tendem a sofrer mais no Natal, porque se lembram de suas perdas, sentem a angústia da finitude, e os jovens, que criam muitas expectativas específicas sobre o Ano Novo e acabam vítimas da ansiedade em relação ao que está por vir."


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