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PASQUALE CIPRO NETO
"Insistido na pergunta, o treinador..."
Neste espaço, já tratei,
mais de uma vez, da questão da evolução na regência de
verbos e nomes. Em outras palavras, trata-se de um processo natural da língua, em que, por evolução ou ampliação de sentido,
um verbo se torna sinônimo de
outro e, muitas vezes, acaba sendo construído como ele.
O verbo "implicar", por exemplo, quando é usado com o sentido de "trazer como conseqüência" ou "demandar, tornar indispensável", tem originariamente a
regência "X implica Y" ("Sua decisão implicou o cancelamento
dos projetos"), mas sua proximidade com "redundar" ou "resultar" (que regem a preposição
"em" -"X redunda/resulta em
Y") acabou, pelo menos no Brasil,
por levá-lo à construção "X implica em Y" ("Sua decisão implicou
no cancelamento dos projetos").
Essa construção de "implicar"
(com a preposição "em") ainda
não é registrada por alguns dos
nossos dicionários ("Houaiss" e
"Aurélio", por exemplo, que só
abonam a forma direta -"X implica Y"), mas já é citada por Celso Luft, em seu "Dicionário Prático de Regência Verbal". Luft registra a abonação do professor
Rocha Lima, que afirma que a regência "implicar em" está ganhando "foros de cidade" (ou seja, legitimidade) na língua culta.
Normalmente, Luft termina esse tipo de comentário com uma
observação parecida com esta:
"Na linguagem culta formal,
aconselha-se a construção originária". O professor não faz essa
observação em relação ao verbo
"implicar", o que significa que,
para ele, esse uso já está mais do
que consagrado. Cabe dizer que,
nos registros clássicos, impera
mesmo a regência "X implica Y",
mas, nos escritos brasileiros modernos, é provável que haja um
empate entre as duas construções.
E o nosso título? A frase ("Insistido na pergunta, o treinador...")
foi dita por um radialista, que se
referia a uma pergunta que já tinha sido feita diversas vezes ao
técnico do São Paulo, Paulo Autuori, que deu sempre a mesma
resposta ("Ainda não sei"). Será
que alguém "é insistido" em algo?
Até prova em contrário, costuma-se insistir em algo com alguém.
Como sempre digo, o papel precípuo de um estudioso do idioma
é, se possível, tentar entender e explicar os fatos da língua. De início, convém dizer que "Insistido
na pergunta" seria uma suposta
passiva de algo como "insistir alguém em algo" ("insistir o treinador na pergunta", no caso). Não é
preciso ir longe para perceber que
isso não tem vida na língua, mas
a pergunta não cala: que processo
leva alguém a dizer tal frase?
Alguém pode dizer que isso já é
conseqüência/influência do uso
de algo como "Perguntado sobre
a escalação do time, o treinador...", construção que, por sinal,
muita gente condena, sem saber
que a língua registra o uso de
"perguntar alguém" ("Foi continuando e perguntando testemunhas", de Frei Luís de Sousa, citado por Francisco Fernandes).
Ora, a passiva de "perguntar alguém" é "alguém é perguntado",
portanto não há nenhum problema em "Perguntado sobre a escalação do time, o treinador..." ou
em "Perguntado sobre a política
econômica, o presidente...".
E a frase do radialista? Pode até
ser o resultado da influência de
formas como "questionado" ou
"pressionado", mas parece mais
um lapso ou um cruzamento de
alhos com bugalhos. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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