São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

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"Meu ex-marido me chamava de seca", diz Odete

DA REPORTAGEM LOCAL

A engenheira Odete dos Santos, 46, relata as diversas situações de preconceito que já sofreu por não ter filhos e pelo fato de desejar tê-los sem estar casada. Leia, a seguir, o seu depoimento:
"Passei a vida sonhando em ter filhos. Na minha cabeça, seriam dez. Mas não foi assim. Estudei, me formei, sempre trabalhando, e, sem nunca ter me prevenido, percebia que não engravidava. Uni-me a um homem, e a idéia de ter filhos ficou mais clara, mas o bebê não vinha.
Houve a separação, e, aos 36 anos, nada de gravidez. Lembro do meu ex-marido me chamando de seca, aquilo doía como uma facada. Virava e mexia ele dizia: "Eu não tenho culpa de você ser seca".
Nesse período, meus amigos se casaram e tiveram filhos e quem não tinha marido ou filhos não mais era convidado para as festas, como ocorria antigamente, pois faltava o par ou os filhos.
O tempo passou, novos namorados surgiram e nada de gravidez. Ia ao médico e não tinha respostas. Quando nasceu um sobrinho, lembro da tristeza que senti o dia em que eu estava levando-o ao playground e fui barrada: "Não..não...não vai descer com ele não!". Quando tentava trocar sua fralda, era repelida com frases do tipo: "Não, você não sabe como faz!". Ou: "Dar mamadeira? Imagine, vai sufocar meu filho!'
Descobri então que tinha miomas uterinos. Ouvia dos médicos que era melhor operar. Um deles chegou a dizer sem dó nem piedade: "Opere esse útero, tire isso fora, aproveite o feriado e vamos tirar isso, filhos você nunca vai ter com esse útero!" Foi como uma sentença de morte.
Passou o tempo, parei de ir a médicos, mas queria fazer um preventivo e fui em uma nova médica, e, para minha surpresa, ela me disse: "Para melhorar esse útero, engravide".
Um mês depois, voltei grávida ao consultório, mas perdi meu filho em um aborto espontâneo. E aí começaram de forma mais violenta as manifestações de preconceito. A primeira foi da médica do PS que me atendeu. Ouvi dela a seguinte frase: "Mulheres na sua idade têm fetos e filhos com problemas. Se for para abortar, vai abortar mesmo, nada se pode fazer". Em julho de 2002, engravidei novamente, e sofri nova perda. Desde então, luto para ter um filho, fiz cinco FIVs [fertilização in vitro] e uma inseminação.
É um sofrimento sem fim, uma dor aguda que não ameniza jamais, é um ferida aberta no peito para sempre.
Nas peregrinações em busca de tratamento de baixo custo, deparei com vários preconceitos, como serviço público que não atende solteira. Antes, não atendia porque eu tinha mais de 37 anos. Fui chamada de desequilibrada por buscar um filho estando solteira. O preconceito é escondido atrás de conceitos de que toda criança precisa de um pai."


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