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PASQUALE CIPRO NETO
"Quando eu chego em casa..."
Um belo dia, aprendemos
na escola que quem chega
chega a algum lugar, quem vai
vai a algum lugar, quem obedece
obedece a alguém ou a alguma
coisa, quem sobressai sobressai (e
não "se sobressai") etc., etc., etc.
Tudo isso nos é dito em inesquecíveis aulas de regência verbal.
Muitas vezes, falta a informação essencial: teoricamente, essas
regências são as predominantes
nos registros formais da língua;
nas variedades não-formais, nem
sempre a coisa segue esse modelo.
Se tomarmos como exemplo o
verbo "chegar", veremos que, na
oralidade brasileira, costuma-se
chegar em algum lugar. Qual é o
brasileiro que, no dia-a-dia, não
diz que chegou em casa, em Santos, no Japão ou na Europa?
Que fazer, então? Bradar aos
quatro ventos que, por ser completamente estranha ao uso brasileiro, a regência "chegar a" deve
ser fulminada etc.? Devagar com
o andor, moçadinha. Por acaso
não dizemos, também no dia-a-dia, frases como "Veja a que ponto ele chegou" ou como "Ele chegou ao cúmulo de dizer que..."?
Dizemos, sim -e como! No entanto, em textos técnicos, científicos, jurídicos etc., é patente o predomínio da regência "chegar a"
sobre "chegar em". O fato é que a
regência de um verbo pode mudar não só de acordo com o seu
significado (o sentido de "trabalhar" em "trabalhar um livro" é
diferente do que se vê em "trabalhar num livro", por exemplo),
mas também de acordo com a variedade de língua empregada.
Não é por acaso que, em seu respeitado "Dicionário Prático de
Regência Verbal", o professor Celso Luft quase sempre termina
suas observações sobre as divergências entre os usos de certos verbos nos diversos registros lingüísticos com uma afirmação muito
parecida com esta: "Na língua escrita formal culta, recomenda-se
o emprego da sintaxe originária".
Já sei, já sei: você quer que eu
traduza isso. Vamos tomar como
exemplo o próprio verbo "chegar". Como verbo que indica
"movimento para", rege (originariamente) a preposição "a", o que
também ocorre com "ir", "levar",
"dirigir-se" etc. (chegar ao cinema, a Paris, à Europa; ir ao colégio, a Itu, à França; levar alguém
ao teatro, a Manaus, à Itália).
Nas variedades formais da língua, é essa a regência que de fato
predomina, mas, assim como escolhemos a roupa de acordo com
a situação, empregamos (ou deveríamos empregar) os verbos de
acordo com a variedade lingüística adotada. Você já imaginou
Caetano Veloso (ou Daniela Mercury) soltando um "Quando eu
chego a casa, nada me consola..."?
Como diz a garotada, "sem
chance". Na língua espontânea
do Brasil, quem chega chega a.
Fora Caetano português, certamente teria escrito "Quando chego a casa, nada me consola", mas
isso é outra história. Se ele tivesse
de escrever um ensaio ou outro tipo de texto formal, é provável que
também optasse por "chegar a",
mas, numa música popular, em
que muitas vezes se chega perto
da oralidade, é mais do que natural o emprego de "chegar em".
Se você estranhou o fato de não
haver acento indicador de crase
no "a" que vem antes de "casa"
em "Quando chego a casa", informo que esse "a" não tem acento
mesmo, mas isso também é outra
história. Um belo dia tratamos
disso. Por enquanto, peço-lhe que
pense nestas frases: "Não dormi
em casa ontem"; "Não venho do
trabalho; venho de casa". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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