São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2004

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CIDADANIA

Itamaraty acha inadmissível discriminação de homossexuais; CNBB se opõe à proposta, considerada uma "vergonha"

Na ONU, Brasil defenderá direitos de gays

FABIANA CIMIERI
DA SUCURSAL DO RIO

Apesar da pressão da Igreja Católica e de representantes islâmicos, o governo brasileiro decidiu reapresentar a proposta de resolução "Direitos Humanos e Orientação Sexual", na 60ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que começou ontem, em Genebra (Suíça).
Em fevereiro, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), atendendo à recomendação do Vaticano, enviou carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a não-reapresentação da proposta, por considerá-la "uma vergonha" para o país.
A representação brasileira apresentada em 2003 foi a primeira a tratar de orientação sexual na ONU. O documento tem seis pontos, todos abordam a inadmissibilidade de discriminações por causa da orientação sexual da pessoa.
Na proposta, o Brasil manifestou preocupação com a violação de direitos humanos sofrida por indivíduos devido a suas orientações sexuais e requereu à Comissão de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado da ONU que dessem atenção ao tema e monitorassem as violações.
A proposta que será apresentada pela delegação brasileira neste ano será mais sucinta, mas deverá ter a mesma essência da de 2003, segundo o ministro Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. A decisão foi tomada em reunião no mês passado, junto com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e do diretor do setor de Direitos Humanos do Itamaraty, Tadeu Valadares.
Segundo Nilmário, o Brasil irá defender a proposta em co-autoria com outros países e poderá aceitar sugestões de alterações que não mudem a essência do documento. "Temos consciência de que a resolução é polêmica, mas temos convicção de que é justa."
No ano passado, a representação ficou fora da agenda da comissão por causa de uma manobra política dos países islâmicos. A Líbia, que presidia a mesa, argumentou que o projeto pretendia impor valores que atingem o cerne da religião muçulmana.
"Resolvemos reapresentar o projeto neste ano porque a pressão não vai diminuir", disse Nilmário. O secretário-geral da CNBB e bispo-auxiliar de São Paulo, d. Odilo Pedro Scherer, avalia que seria melhor que o Brasil não fosse o proponente da resolução. Para ele, se aprovada, ela "pode estabelecer um princípio de inversão de valores. Não discriminamos as pessoas. Discriminamos comportamentos. Nem toda orientação sexual pode ser colocada no mesmo nível de valores".
Para Cláudio Nascimento, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, a aprovação da resolução "é importante para tirar a homossexualidade de um estatuto de criminalidade, como ocorre no Egito".
O diretor da Conectas Direitos Humanos, Oscar Vilhena, disse que, apesar de o Brasil não possuir uma lei muito clara a respeito dos direitos dos homossexuais, "é uma tendência dos tribunais brasileiros reconhecerem a união estável de pessoas do mesmo sexo".
Para aprovar a resolução, a Conectas acionou uma rede de cerca de 400 ONGs no mundo, instando-as a pedirem a governantes de seus Estados e países para apoiarem a aprovação da resolução.
Ontem, hackers invadiram o site da Conectas para reunir militantes. "Liberdade de Crença e de Religião sob Ameaça. Vamos colocar um ponto final na resolução brasileira", dizia o título da página, que podia ser traduzida em inglês, francês, espanhol e árabe.


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