São Paulo, Terça-feira, 16 de Março de 1999
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Corrupção é o negativo da própria sociedade

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

É o negativo fotográfico -imagem do objeto em que os tons claros ou escuros aparecem invertidos. Só na impressão final, na foto, eles se revelam, o que era claro vira escuro, o que era escuro vira claro.
É preciso parar de imaginar o crime de corrupção como um vírus que ataca um corpo são. Somos nós que estamos doentes, lembra o magistrado francês Jean de Maillard, em seu livro "Un Monde Sans Loi - La Criminalité Financière En Images" ("Um Mundo Sem Lei - A Criminalidade Financeira em Imagens").
A corrupção, ele diz, "não é nem um mal definitivo nem um mal-estar temporário, simplesmente porque não é uma doença, é um estado.(...) Não é senão o negativo de cada sociedade, sua impressão de todo modo, que evolui com ela."
Que sociedade é essa, a de São Paulo, por exemplo, que se deixa "governar" por uma prefeitura e uma Câmara de vereadores corrupta há quase uma década? Quem é que se deixa governar ou desgovernar: o analfabeto da favela, cujo voto é comprado, ou o banqueiro que blinda o carro e não vacila em deixar o país nos momentos de violência? Quem controla quem?
De um lado, a São Paulo analfabeta, massa de manobra; do outro, uma elite alienada, que não tem por que se importar com os destinos da corrupção na sua desprezível prefeitura, que age como quem não precisa dos serviços de administrações regionais (ou da segurança pública), que nunca serviram para nada.
No meio, o tutano amorfo de uma sociedade desorganizada, de uma classe média que aspira ao status de elite, que imita a todo custo o comportamento da omissão elitista, do olhar voltado para fora do país, para longe da barbárie das ruas; ou para dentro, o da autoblindagem individualista: eu roubo, tu especulas, ele corrompe, nós nos blindamos e protegemos.
Esse estado de coisas é visto por Jean de Maillard como resultado de um processo de corrupção maior, globalizado, que tem suas raízes no crime financeiro mundial, na especulação de um capital que só gera desigualdade social.
"O capital especulativo, em duas décadas, impôs sua lógica (...). Os mercados se nutrem do dinheiro: dinheiro de fundos de pensão, da poupança, de empréstimos, do desenvolvimento de países emergentes, mas também dinheiro da evasão fiscal organizada, da corrupção, das máfias e do comércio das drogas", explica.
Para ele, uma repressão eficaz ao crime organizado deveria remeter aos princípios mesmos da globalização financeira enquanto sistema auto-regulável, que se impôs a todas as outras instâncias políticas, econômicas e sociais.
As investidas contra a corrupção no Brasil -que é endêmica mesmo, como já apontaram os EUA- não saem do ensaio. São Paulo vive uma espécie de "Operação Mãos Limpas", como a que varreu a Itália entre 92 e 94. A quantidade de lixo é incalculável. O problema é que, por enquanto, e como sempre, só prenderam garis. Os donos das usinas do lixo (vereadores, deputados, prefeitos) já fogem na cara dura: da polícia e da Justiça.

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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