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Corrupção é o negativo da própria sociedade
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
É o negativo fotográfico
-imagem do objeto em que os
tons claros ou escuros aparecem invertidos. Só na impressão final, na foto, eles se revelam, o que era claro vira escuro, o que era escuro vira claro.
É preciso parar de imaginar o
crime de corrupção como um
vírus que ataca um corpo são.
Somos nós que estamos doentes, lembra o magistrado francês Jean de Maillard, em seu livro "Un Monde Sans Loi - La
Criminalité Financière En
Images" ("Um Mundo Sem Lei
- A Criminalidade Financeira
em Imagens").
A corrupção, ele diz, "não é
nem um mal definitivo nem
um mal-estar temporário, simplesmente porque não é uma
doença, é um estado.(...) Não é
senão o negativo de cada sociedade, sua impressão de todo
modo, que evolui com ela."
Que sociedade é essa, a de São
Paulo, por exemplo, que se deixa "governar" por uma prefeitura e uma Câmara de vereadores corrupta há quase uma
década? Quem é que se deixa
governar ou desgovernar: o
analfabeto da favela, cujo voto
é comprado, ou o banqueiro
que blinda o carro e não vacila
em deixar o país nos momentos
de violência? Quem controla
quem?
De um lado, a São Paulo
analfabeta, massa de manobra; do outro, uma elite alienada, que não tem por que se importar com os destinos da corrupção na sua desprezível prefeitura, que age como quem
não precisa dos serviços de administrações regionais (ou da
segurança pública), que nunca
serviram para nada.
No meio, o tutano amorfo de
uma sociedade desorganizada,
de uma classe média que aspira
ao status de elite, que imita a
todo custo o comportamento
da omissão elitista, do olhar
voltado para fora do país, para
longe da barbárie das ruas; ou
para dentro, o da autoblindagem individualista: eu roubo,
tu especulas, ele corrompe, nós
nos blindamos e protegemos.
Esse estado de coisas é visto
por Jean de Maillard como resultado de um processo de corrupção maior, globalizado, que
tem suas raízes no crime financeiro mundial, na especulação
de um capital que só gera desigualdade social.
"O capital especulativo, em
duas décadas, impôs sua lógica
(...). Os mercados se nutrem do
dinheiro: dinheiro de fundos de
pensão, da poupança, de empréstimos, do desenvolvimento
de países emergentes, mas também dinheiro da evasão fiscal
organizada, da corrupção, das
máfias e do comércio das drogas", explica.
Para ele, uma repressão eficaz ao crime organizado deveria remeter aos princípios mesmos da globalização financeira
enquanto sistema auto-regulável, que se impôs a todas as outras instâncias políticas, econômicas e sociais.
As investidas contra a corrupção no Brasil -que é endêmica mesmo, como já apontaram os EUA- não saem do ensaio. São Paulo vive uma espécie de "Operação Mãos Limpas", como a que varreu a Itália entre 92 e 94. A quantidade
de lixo é incalculável. O problema é que, por enquanto, e como sempre, só prenderam garis. Os donos das usinas do lixo
(vereadores, deputados, prefeitos) já fogem na cara dura: da
polícia e da Justiça.
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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