|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BARBARA GANCIA
Torcida pela "enrolation"
Vai-se Marina e sobram os dedos, ou seja, os interesses do agronegócio, das construtoras e do monopólio do cimento
EM HOMENAGEM à ex-ministra
do Meio Ambiente, Marina
Silva, inicio os trabalhos com
uma anedota sobre o jeito tapuia de
fazer as coisas. Diz a piada que o governo queria construir uma ponte, e
que três empresas se apresentaram
na hora da licitação: uma alemã,
uma portuguesa e outra brasileira.
No momento de abrir os envelopes com as propostas, constatou-se
que a alemã cobrara US$ 3 milhões:
um a ser gasto em material, outro
em mão-de-obra e o terceiro milhão
sairia de lucro. A oferta dos portugueses somou US$ 6 milhões: dois
para o material, dois para a mão-de-obra e mais US$ 2 milhões de lucro.
Mas foi a proposta de US$ 9 milhões
da empresa brasuca que acabou
vencendo a parada.
Por quê? Ora, porque ela contemplou a possibilidade de cada parte
colocar US$ 3 milhões no bolso e
ainda chamar os alemães para fazer
a ponte pelos US$ 3 milhões do orçamento original deles.
Se não é assim que as coisas funcionam por aqui, que alguém me explique porque o Banco Mundial, em
relatório encomendado pelo governo FHC, concluiu que a obra de
transposição do rio São Francisco
não compensa por dois motivos básicos: a) retorno social desprezível e
b) custo demasiadamente alto. Se
uma entidade como o Banco Mundial não quis financiar a aventura,
por que o governo Lula continua a
insistir na transposição?
O leitor do Sul não se interessa
muito por esse assunto, eu sei.
Quem vive em São Paulo ou no Rio
já tem problemas demais para se
preocupar com os destinos de um
rio que não banha seu Estado. Mas
veja como são as coisas: há mais de
três semanas assumi com Thereza
Collor o compromisso de estar presente na palestra que ela promoveria na quarta-feira, dia 14, a fim de
discutir a transposição do rio São
Francisco. Eu talvez fosse ao encontro sem depois escrever a respeito.
Mas calhou de a ministra Marina
Silva pedir demissão justamente no
dia marcado por Thereza. E, sendo
assim, eu não posso deixar de meter
o bedelho.
Sobre a ex-ministra, muita gente
que conhece o assunto a fundo considera que em sua gestão ela olhou
apenas para o quintal de casa, ou seja, para a Amazônia, onde nasceu,
cresceu e exerceu a militância que a
tornou respeitada mundo afora.
Na minha modestíssima opinião,
porém, Marina acertou na mosca
com sua mensagem monotemática.
Quer coisa mais simbólica do que
defender o chamado "pulmão do
mundo"? Não conheço um só ambientalista que eu respeite que não a
tenha em alto conceito. E sua mensagem deve ter alguma força, caso
contrário ontem não teríamos visto
manifestações de apoio à ela estampadas em editoriais e manchetes
nos principais jornais do mundo.
Vai-se Marina Silva e sobram os
dedos, ou seja, os interesses das
multinacionais do agronegócio, das
grandes construtoras de sempre e
do monopólio do cimento. Essa é a
gente interessada em se meter a fazer uma transposição que não chegará a lugar nenhum.
Não existe lógica em se levar água
de um rio que agoniza para outra
parte e não existe boa fé em se fazer
um projeto que afetará a vida e o bolso da população de vários Estados,
quando esses Estados não têm voz
ativa na questão. Tomara que a obra
do São Francisco seja apenas mais
uma "enrolation" do nosso amantíssimo presidente.
barbara@uol.com.br
Texto Anterior: Terreno foi cedido porque havia risco de invasão, afirma Subprefeitura da Penha Próximo Texto: Qualidade das praias: Em Santos, duas praias pioram e uma melhora para banhistas Índice
|