São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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BARBARA GANCIA

Torcida pela "enrolation"

Vai-se Marina e sobram os dedos, ou seja, os interesses do agronegócio, das construtoras e do monopólio do cimento

EM HOMENAGEM à ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, inicio os trabalhos com uma anedota sobre o jeito tapuia de fazer as coisas. Diz a piada que o governo queria construir uma ponte, e que três empresas se apresentaram na hora da licitação: uma alemã, uma portuguesa e outra brasileira.
No momento de abrir os envelopes com as propostas, constatou-se que a alemã cobrara US$ 3 milhões: um a ser gasto em material, outro em mão-de-obra e o terceiro milhão sairia de lucro. A oferta dos portugueses somou US$ 6 milhões: dois para o material, dois para a mão-de-obra e mais US$ 2 milhões de lucro. Mas foi a proposta de US$ 9 milhões da empresa brasuca que acabou vencendo a parada.
Por quê? Ora, porque ela contemplou a possibilidade de cada parte colocar US$ 3 milhões no bolso e ainda chamar os alemães para fazer a ponte pelos US$ 3 milhões do orçamento original deles.
Se não é assim que as coisas funcionam por aqui, que alguém me explique porque o Banco Mundial, em relatório encomendado pelo governo FHC, concluiu que a obra de transposição do rio São Francisco não compensa por dois motivos básicos: a) retorno social desprezível e b) custo demasiadamente alto. Se uma entidade como o Banco Mundial não quis financiar a aventura, por que o governo Lula continua a insistir na transposição?
O leitor do Sul não se interessa muito por esse assunto, eu sei. Quem vive em São Paulo ou no Rio já tem problemas demais para se preocupar com os destinos de um rio que não banha seu Estado. Mas veja como são as coisas: há mais de três semanas assumi com Thereza Collor o compromisso de estar presente na palestra que ela promoveria na quarta-feira, dia 14, a fim de discutir a transposição do rio São Francisco. Eu talvez fosse ao encontro sem depois escrever a respeito.
Mas calhou de a ministra Marina Silva pedir demissão justamente no dia marcado por Thereza. E, sendo assim, eu não posso deixar de meter o bedelho.
Sobre a ex-ministra, muita gente que conhece o assunto a fundo considera que em sua gestão ela olhou apenas para o quintal de casa, ou seja, para a Amazônia, onde nasceu, cresceu e exerceu a militância que a tornou respeitada mundo afora.
Na minha modestíssima opinião, porém, Marina acertou na mosca com sua mensagem monotemática.
Quer coisa mais simbólica do que defender o chamado "pulmão do mundo"? Não conheço um só ambientalista que eu respeite que não a tenha em alto conceito. E sua mensagem deve ter alguma força, caso contrário ontem não teríamos visto manifestações de apoio à ela estampadas em editoriais e manchetes nos principais jornais do mundo.
Vai-se Marina Silva e sobram os dedos, ou seja, os interesses das multinacionais do agronegócio, das grandes construtoras de sempre e do monopólio do cimento. Essa é a gente interessada em se meter a fazer uma transposição que não chegará a lugar nenhum.
Não existe lógica em se levar água de um rio que agoniza para outra parte e não existe boa fé em se fazer um projeto que afetará a vida e o bolso da população de vários Estados, quando esses Estados não têm voz ativa na questão. Tomara que a obra do São Francisco seja apenas mais uma "enrolation" do nosso amantíssimo presidente.


barbara@uol.com.br

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