São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 2011

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PASQUALE CIPRO NETO

"O carro do safety car"



O problema não está no estrangeirismo em si. O problema está no uso tolo de certos estrangeirismos

OS ÚLTIMOS DIAS FORAM férteis no rádio, na TV e na internet. Aliás, por falar em internet, os textos jornalísticos veiculados em diversos sites andam pela hora da morte. Às vezes, tenho a nítida impressão de que, para não publicar depois dos outros uma notícia que acabou de chegar de uma agência internacional, o pessoal dos sites aciona o tradutor do Google (ai!) e manda bala. O que sai é uma coisa horrorosa, numa língua que lembra vagamente o português. O caro leitor já experimentou esse "serviço"? Se não o fez, não perca o seu precioso tempo.
Pois bem. No último domingo, antes do jogo do Internacional contra o Palmeiras, em Porto Alegre, foi executado o hino do Rio Grande do Sul, como determina uma lei gaúcha. Na TV, um narrador anunciou a execução do "hino nacional do Estado do Rio Grande do Sul". Já sei, já sei, como em 99,9999% dessas situações o hino que se ouve é o de uma nação, ou seja, um hino nacional, o locutor foi no embalo e... E continuou no embalo! Terminado o hino, repetiu a preciosidade ("hino nacional do Estado do Rio Grande do Sul").
Dos males o menor: ainda bem que o locutor não disse "do Estado gaúcho", como muitos profissionais da imprensa fazem quando querem falar desse e de qualquer dos demais Estados da nossa federação (com a devida troca do adjetivo).
Em "Estado do Rio Grande do Sul", "Rio Grande do Sul" não é adjunto adnominal; é aposto. Faz sentido dizer "a capital gaúcha" (no lugar de "a capital do Rio Grande do Sul") porque o Rio Grande do Sul tem capital, a capital é dele, pertence a ele. Nesse caso, "do Rio Grande do Sul" é adjunto de "capital".
Agora diga: faz sentido aplicar o mesmo raciocínio com "Estado do Rio Grande do Sul"? O Rio Grande do Sul tem um Estado? Esse Estado é dele, pertence a ele? Não e não, caro leitor. Em "Estado do Rio Grande do Sul", "Rio Grande do Sul" é o nome do Estado, por isso tem a função de aposto, o que ocorre também em "o rio Tietê", em que "Tietê" é o nome do rio e por isso também funciona como aposto. Para falar da cidade de Campinas, você diria "a cidade campineira"? Diria "a cidade londrina" para falar de Londres?
Mas voltemos ao episódio do "hino nacional do Estado do Rio Grande do Sul". Ao longo dos anos, muitos leitores já me perguntaram se "hino nacional" não constitui exemplo de redundância. Não, e a razão é muito simples: como comprova o que disse no domingo o narrador esportivo, nem todo hino é nacional...
Ainda no domingo, ouvi (por uma emissora de rádio) a análise da corrida realizada no Canadá. Lá pelas tantas, um jornalista disse que "o carro do safety car...". Não, caro leitor, esta não é a coluna do Macaco Simão. "O carro do safety car" me lembra o nome de uma papelaria num shopping de São Paulo. Sabe como é? Lá vai: "Paper Store Papelaria". Bem, se "paper" é "papel" e "store" é "loja"... No mesmo bairro existe a "Paper Shop Papelaria". Se "shop" (também) é "loja"...
A esta altura alguém talvez já esteja pronto para disparar bobagens do tipo "este texto condena os estrangeirismos" etc. Não é nada disso. O problema não é o estrangeirismo em si (em muitas e muitas situações, o estrangeirismo resolve muito bem a questão). O problema está em certos usos (tolos) dos estrangeirismos. Um deles é "safety car", expressão que não melhora em nada de nada a construção portuguesa "carro de segurança". Se "safety car" já é dose, imagine "o carro do safety car". Só a impagável "frango chicken" para ganhar dessa. É isso.

inculta@uol.com.br


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