São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2001

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Para Cabo Júlio, coronelismo emperra negociações

RANIER BRAGON
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

Principal líder da greve da Polícia Militar de Minas Gerais em 1997, movimento que estimulou paralisações em outros Estados e ocasionou a pior crise da PM brasileira, o hoje deputado federal Júlio César Gomes dos Santos (sem partido) diz crer que a crise baiana vai encorajar outros movimentos, pois há, segundo ele, Estados sobre "barris de pólvora".
Para o ex-policial, que conheceu o sucesso político pouco mais de um ano depois de liderar a greve mineira, quando se elegeu para a Câmara como o deputado mais votado de Minas, com 217.088 votos, o coronelismo baiano está impedindo um acordo, e os líderes do movimento devem buscar vagas nos parlamentos em 2002.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Agência Folha.

Agência Folha - Qual a análise que o sr. faz da situação na Bahia? Júlio César Gomes dos Santos - A situação da Bahia não é diferente da nossa, em 1997. A primeira questão é salarial. Quando pagamos um salário miserável para um policial, fazemos com que ele seja um mau policial e que se rebele contra seu patrão -o Estado. As polícias são proibidas de fazer greves. Quando um policial chega ao ponto de descumprir a lei é porque não tem mais esperança.

Agência Folha - Na Bahia, a greve era o único recurso?
Cabo Júlio
- Sim. Num primeiro momento, eles demonstraram insatisfação. O governo não tomou posição. Os policiais tentaram abrir canais de comunicação. Não aconteceu. Uma coisa séria é o fato de os governadores não acreditarem que isso vai acontecer.

Agência Folha - O sr. acha justo a população ficar à própria sorte? Cabo Júlio - Na realidade, temos um "tiroteio" e, no meio, está a sociedade. O policial é pago para servir à sociedade. Sendo mal pago, presta um mau serviço. A sociedade não tem culpa, o policial também não. Mas o interessante é que a sociedade, por mais que se sinta prejudicada, acaba aplaudindo, porque sabe que, se tiver uma polícia bem paga, é bem servida. Em Minas, aplaudiu e jogou papel picado sobre os policiais.

Agência Folha - Por que o sr. não foi intermediar as negociações na Bahia, como fez em outras greves? Cabo Júlio - A Bahia tem uma característica diferente de outros Estados, que é o coronelismo político, onde a ação maior é a do ex-senador Antonio Carlos Magalhães [PFL". O coronelismo impõe regras e não abre mão delas. "Aqui na Bahia, quem manda sou eu. A polícia faz greve lá em Tocantins, lá em Minas Gerais. Aqui eu não aceito, não negocio, eu fecho as portas". Essa característica só traz mais problemas.
O coronelismo não abre mão de sua autoridade. Aí chegamos ao impasse. Em outros Estados, onde os governos são mais democráticos, a tendência é de uma situação como essa se resolver com mais facilidade. Se mais parlamentares fossem para a Bahia, os ânimos poderiam ficar acirrados.

Agência Folha - O sr. acha que o movimento da Bahia foi estimulado pelos partidos de esquerda? Cabo Júlio - Sempre que há uma greve, forças de oposição se unem à polícia para tirar proveito político. Mas o movimento político nunca acaba. O lucro dele é o impasse. Greve tem de ter reivindicações institucionais, só isso.

Agência Folha - A situação da polícia da Bahia é a pior do Brasil?
Cabo Júlio
- Os piores casos são, em geral, os do Nordeste. Além do salário, há outro problema: o regulamento é muito rígido, tudo é proibido. A Constituição vale só do portão do quartel para fora.
Exigem que os policiais respeitem os direitos do cidadão, mas a própria instituição não o respeita.

Agência Folha - A rigidez não faz parte da essência militar? Cabo Júlio - O mundo evoluiu, e as polícias, nos regulamentos, não evoluíram. A disciplina não pode ser sinônimo de abusos.

Agência Folha - Por que esses Estados não tiveram greves?
Cabo Júlio
- São Estados que têm efetivo menor e, muitas vezes, o senso político e reivindicatório não está aguçado. Dizem: "Se outro Estado fizer, vou também". Quando Minas fez, os outros criaram coragem e fizeram também.

Agência Folha - O sr. acha que a greve da Bahia será um exemplo?
Cabo Júlio
- O movimento da Bahia repercutiu no Brasil e, com certeza, vai fazer com que outros Estados façam mobilizações. Temos São Paulo, que já está sinalizando ao governo que a situação é grave. Sergipe e Paraíba têm esse problema. Esses Estados estão em cima de um barril de pólvora. Qualquer problema mais sério pode acender esse pavio.

Agência Folha - A logo prazo, qual será a consequência do movimento policial baiano? Cabo Júlio - O governo ficará fragilizado. Nas eleições do ano que vem, os adversários vão usar o problema da polícia contra as forças que estão no poder hoje. O povo nunca vai esquecer isso. Já a tropa, vai ter de se organizar politicamente. É uma necessidade.
Quando a poeira baixar, as perseguições vão acontecer, a polícia vai tentar identificar os cabeças do movimento e vai tentar miná-los ou excluí-los. Só existe uma forma de barrar isso: a organização política. Em Minas, 185 foram expulsos. Depois que fui eleito deputado federal, e outros dois líderes se elegeram para a Assembléia Legislativa, fizemos um acordo com o governo e houve anistia.



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