São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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MOACYR SCLIAR

546 palavras fazem toda a diferença


Sim, mulheres falam mais do que homens, mas trata-se de diferença irrisória. Dezena ou duas de frases, se tanto

 Mulher não fala mais que homem, diz estudo. Estudo publicado na revista Science, e realizado por psicólogos dos EUA e do México, revelou que, ao contrário do que se pensava, as mulheres não falam mais do que os homens. Para chegar ao cálculo foram feitos seis diferentes experimentos entre 1998 e 2004. Grupos de homens e mulheres entre 17 e 29 anos, num total de 396 participantes, foram monitorados durante períodos que variaram de 2 a 10 dias. O equipamento ligado aos participantes, todos estudantes universitários, impedia que houvesse qualquer tipo de controle sobre a gravação. As pessoas também não conseguiam perceber se o equipamento estava gravando ou não. A média de palavras faladas pelos dois sexos apresenta uma diferença de só 7% (546 palavras por dia). Enquanto os homens falam 15.669 palavras ao dia, as mulheres usam 16.215 palavras. Ciência, 6 de julho

COMO ERA DE ESPERAR , a notícia do estudo publicado na revista Science revelou-se, para o casal, motivo de polêmica. Mais um, aliás. Vivendo juntos há dez anos eles discutiam constantemente. De início, os amigos e familiares até achavam que o casamento não iria longe, tantos eram os bate-boca; mas depois deram-se conta de que aquilo era um jeito de viver, que a discussão para os dois era parte da vida conjugal. Mesmo porque eram pessoas inteligentes, bem-informadas e sempre tinham assunto para acaloradas disputas.
O estudo revelou-se um prato delicioso. Fazia tempo que eles debatiam aquele assunto. O marido, economista, sustentava que as mulheres falam mais do que os homens; a esposa, advogada, dizia não existir qualquer prova disso. E no dia em que a notícia foi publicada, ela, triunfante, mostrou o jornal ao esposo: ali estava, devidamente quantificada, a verdade. Sim, as mulheres falam mais do que os homens; mas tratava-se de diferença irrisória.
546, o que era aquilo? Nada, absolutamente nada. Uma dezena ou duas de frases, se tanto.
Num primeiro momento a ponderação deixou-o desarvorado. Para dizer a verdade, esperava uma diferença muito maior; para ele, as mulheres certamente deveriam falar milhares de palavras a mais do que os homens, sobretudo ao celular.
Mas pesquisa é pesquisa, e os números não podiam ser contestados.
Portanto, tratou de engolir o despeito e ficou quieto.
Naquela mesma noite, porém, ocorreu-lhe uma resposta. O importante não era o número de palavras, e sim o tipo de palavras. E, em matéria de manipulação das palavras, as mulheres seguramente eram mestras. Homens, e sobretudo homens como ele, não eram páreo para elas.
Foi o que, naquela noite, disse à esposa. E isto, claro, gerou um conflito. Ela, ofendida, recusava-se a falar com o marido. Ele ainda tentou uma aproximação: quem sabendo fazendo amor... Mas ela então veio com a frase clássica, dita num tom inequivocamente irônico:
- Hoje, não. Hoje estou com dor de cabeça.
Hoje, não. Hoje estou com dor de cabeça. Oito palavras, só, mas que poder tinham aquelas oito palavras.
Talvez ele tivesse, mesmo, razão.
Agora só lhe faltava descobrir quais eram as 538 palavras restantes que davam poder às mulheres.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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