São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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SAÚDE

No DF, crianças com má-formação de órgãos sexuais precisam esperar por autorização do Ministério Público para fazer correção

Promotoria dificulta cirurgia sexual de bebê

FERNANDA NARDELLI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Crianças que nascem no Distrito Federal com má-formação dos órgãos sexuais, o que pode impossibilitar a definição do sexo do bebê, precisam esperar por autorização do Ministério Público para se submeter a uma cirurgia corretiva. A má-formação atinge, em média, um a cada 16 mil bebês nascidos no país.
A ambiguidade genital, como é chamada a má-formação, tem o tratamento pago pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país. Uma equipe multidisciplinar avalia o bebê e, com o apoio da família, identifica o sexo da criança para realizar a cirurgia.
No DF, desde 2001, uma recomendação do promotor Diaulas Ribeiro, da Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde, impede a intervenção cirúrgica sem a autorização prévia, o que está atrasando o tratamento.
Atualmente, só no Hospital Universitário de Brasília (HUB), dez crianças precisam se submeter à cirurgia. Desde que a recomendação entrou em vigor, a Promotoria autorizou apenas dois casos. Outros cinco estão sendo monitorados. No Hospital das Clínicas de São Paulo, são feitas, em média, 20 cirurgias/ano.
Segundo a cirurgiã pediatra do Hospital Universitário de Brasília Mércia Rocha, as correções devem ser feitas antes de o paciente completar dois anos. Ela diz que existe uma outra linha de pensamento -na qual a Promotoria se apóia- que defende a correção quando a criança tiver maturidade para definir a qual sexo pertence. Para Mércia, essa conduta não é adequada. "O que vemos, na prática, é que essas crianças não são aceitas pela sociedade."
O endocrinologista Luís Cláudio Castro, também do HUB, citou o caso de uma menina de um ano e quatro meses que foi registrada como se fosse do sexo masculino, mas desenvolveu todas as características do sexo feminino.
Em casa, já é chamada por um nome feminino, que não é o que está em sua certidão de nascimento. Os pais não pretendem colocá-la em escola por causa do registro civil e da possível discriminação que ela possa sofrer por parte dos colegas.
Mércia também falou sobre o caso de uma mãe que teve problemas com a babá. A funcionária, contratada para tomar conta de uma menina, chamou a mãe da criança de "louca" quando foi trocar as fraldas do bebê e viu "se tratar de um menino".
A psicóloga infantil Gessilda Padilha disse que, quanto mais cedo a cirurgia for feita, melhor. Segundo ela, na definição sexual, é importante que a cirurgia seja realizada antes dos quatro anos. Para ela, é nessa fase que as crianças saem do ciclo familiar e começam a conviver em sociedade, fazendo comparações com os colegas.
Para evitar riscos às crianças, Mércia sugere a elaboração de uma lei em que apenas hospitais autorizados, com equipes preparadas, possam realizar as cirurgias, o que dispensaria uma consulta à Promotoria. Outra sugestão seria uma lei proibindo o registro civil das crianças com genitália ambígua até a definição do sexo do bebê.
No Rio Grande do Sul, o procedimento é, em primeiro lugar, avaliar qual a tendência preponderante da criança. Um especialista identifica qual sexo prepondera. Os pais participam de todo o processo, que pode necessitar de exame genético.
As sociedades de pediatria, cirurgia pediátrica e endocrinologia do DF, com o Sindicato dos Médicos, pretendem entrar com representação na Corregedoria do Ministério Público contra o promotor Diaulas Ribeiro, responsável pela recomendação, por abuso de autoridade. Segundo o advogado Raul Canal, não é da competência do promotor tomar essa decisão.
Os médicos poderiam descumprir a recomendação da Promotoria, mas a ameaça de processos por lesão corporal intimida os profissionais e acaba impedindo as cirurgias. Os médicos também devem solicitar na Justiça que eles possam operar os pacientes sem o risco de serem processados.
Para o médico Durval Damiani, 51, da Sociedade Brasileira de Pediatria, a ambiguidade sexual não é um assunto que se resolve com decreto. "É uma questão muito séria e deve ser definida por uma equipe multidisciplinar", afirma.


Colaboraram CLÁUDIA COLLUCCI, da Reportagem Local, e LÉO GERCHMANN, da Agência Folha

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