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SAÚDE
No DF, crianças com má-formação de órgãos sexuais precisam esperar por autorização do Ministério Público para fazer correção
Promotoria dificulta cirurgia sexual de bebê
FERNANDA NARDELLI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Crianças que nascem no Distrito Federal com má-formação dos
órgãos sexuais, o que pode impossibilitar a definição do sexo do
bebê, precisam esperar por autorização do Ministério Público para se submeter a uma cirurgia corretiva. A má-formação atinge, em
média, um a cada 16 mil bebês
nascidos no país.
A ambiguidade genital, como é
chamada a má-formação, tem o
tratamento pago pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) em todo o
país. Uma equipe multidisciplinar avalia o bebê e, com o apoio
da família, identifica o sexo da
criança para realizar a cirurgia.
No DF, desde 2001, uma recomendação do promotor Diaulas
Ribeiro, da Promotoria de Defesa
dos Usuários dos Serviços de Saúde, impede a intervenção cirúrgica sem a autorização prévia, o que
está atrasando o tratamento.
Atualmente, só no Hospital
Universitário de Brasília (HUB),
dez crianças precisam se submeter à cirurgia. Desde que a recomendação entrou em vigor, a
Promotoria autorizou apenas
dois casos. Outros cinco estão
sendo monitorados. No Hospital
das Clínicas de São Paulo, são feitas, em média, 20 cirurgias/ano.
Segundo a cirurgiã pediatra do
Hospital Universitário de Brasília
Mércia Rocha, as correções devem ser feitas antes de o paciente
completar dois anos. Ela diz que
existe uma outra linha de pensamento -na qual a Promotoria se
apóia- que defende a correção
quando a criança tiver maturidade para definir a qual sexo pertence. Para Mércia, essa conduta não
é adequada. "O que vemos, na
prática, é que essas crianças não
são aceitas pela sociedade."
O endocrinologista Luís Cláudio Castro, também do HUB, citou o caso de uma menina de um
ano e quatro meses que foi registrada como se fosse do sexo masculino, mas desenvolveu todas as
características do sexo feminino.
Em casa, já é chamada por um
nome feminino, que não é o que
está em sua certidão de nascimento. Os pais não pretendem colocá-la em escola por causa do registro
civil e da possível discriminação
que ela possa sofrer por parte dos
colegas.
Mércia também falou sobre o
caso de uma mãe que teve problemas com a babá. A funcionária,
contratada para tomar conta de
uma menina, chamou a mãe da
criança de "louca" quando foi trocar as fraldas do bebê e viu "se tratar de um menino".
A psicóloga infantil Gessilda Padilha disse que, quanto mais cedo
a cirurgia for feita, melhor. Segundo ela, na definição sexual, é importante que a cirurgia seja realizada antes dos quatro anos. Para
ela, é nessa fase que as crianças
saem do ciclo familiar e começam
a conviver em sociedade, fazendo
comparações com os colegas.
Para evitar riscos às crianças,
Mércia sugere a elaboração de
uma lei em que apenas hospitais
autorizados, com equipes preparadas, possam realizar as cirurgias, o que dispensaria uma consulta à Promotoria. Outra sugestão seria uma lei proibindo o registro civil das crianças com genitália ambígua até a definição do
sexo do bebê.
No Rio Grande do Sul, o procedimento é, em primeiro lugar,
avaliar qual a tendência preponderante da criança. Um especialista identifica qual sexo prepondera. Os pais participam de todo o
processo, que pode necessitar de
exame genético.
As sociedades de pediatria, cirurgia pediátrica e endocrinologia
do DF, com o Sindicato dos Médicos, pretendem entrar com representação na Corregedoria do Ministério Público contra o promotor Diaulas Ribeiro, responsável
pela recomendação, por abuso de
autoridade. Segundo o advogado
Raul Canal, não é da competência
do promotor tomar essa decisão.
Os médicos poderiam descumprir a recomendação da Promotoria, mas a ameaça de processos
por lesão corporal intimida os
profissionais e acaba impedindo
as cirurgias. Os médicos também
devem solicitar na Justiça que eles
possam operar os pacientes sem o
risco de serem processados.
Para o médico Durval Damiani,
51, da Sociedade Brasileira de Pediatria, a ambiguidade sexual não
é um assunto que se resolve com
decreto. "É uma questão muito
séria e deve ser definida por uma
equipe multidisciplinar", afirma.
Colaboraram CLÁUDIA COLLUCCI, da
Reportagem Local, e LÉO GERCHMANN,
da Agência Folha
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