São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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ÁREAS PÚBLICAS

Sob ameaça de processo, prefeitura tenta, com quatro meses de atraso, receber por uso de terrenos do município

Pressionada, Marta cobra aluguel de clubes

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo notificou 15 entidades instaladas sobre terrenos públicos para negociar algum tipo de contrapartida pelo uso dessas terras. Esses particulares mantêm seus negócios sobre áreas municipais há décadas, dando em troca pouco ou literalmente nada ao governo.
Dez deles são tradicionais clubes privados (veja quadro). Para continuarem nessas áreas, eles terão que pagar à prefeitura o que seria o aluguel de mercado dos terrenos que ocupam ou oferecer uma quantidade de serviços que corresponda a esse valor. Em alguns casos, porém, a ocupação é tão irregular -além de barata, não gerou as obras combinadas- que as áreas terão de ser retomadas pelo governo.
As reuniões entre a prefeitura e as entidades começaram na semana passada e terminarão no final de outubro. Será a única rodada de negociações amigáveis.
As áreas em questão foram parar nas mãos de particulares ao longo dos últimos 30 anos, por leis de concessão ou decretos de permissão de uso.
A cessão gratuita ou por contrapartidas irrisórias para entidades que não são filantrópicas nem beneficentes faz com que o interesse público -exigência da legislação para essas ações- seja questionável, além de levar ao enriquecimento indevido de particulares.
A falta de interesse público é o que acontece, segundo a Promotoria, no caso que envolve o São Paulo, por exemplo. O clube fez o CT da Barra Funda sobre uma área municipal que vale mais de R$ 22 milhões. Em contrapartida, tem só de ceder as instalações para os alunos da rede municipal. Mas, em carta, a Secretaria da Educação informou que não tem interesse em manter essa cessão.
A falta de interesse público e o enriquecimento dos particulares em detrimento da municipalidade são, na opinião do Ministério Público, duas das quatro ilegalidades que permitem à prefeitura renegociar e até retomar as áreas.
Além de as concessões terem sido feitas sem concorrência, muitos dos concessionários descumpriram as obrigações previstas em contrato. É o caso, por exemplo, do Corinthians, que ocupou a maior área pública hoje nas mãos de terceiros para fazer um estádio de futebol que até hoje não existe.
Juntas, as 15 entidades notificadas pela prefeitura ocupam 590,9 mil m2 de área. Se pagassem aluguel, a prefeitura teria por ano mais R$ 19,88 milhões.
Relatório publicado este ano no "Diário Oficial" relata 213 áreas cedidas: 102 permissões gratuitas e 39 onerosas -por tempo indeterminado- e 72 concessões que chegam a durar 99 anos.
Ao todo, é 1,42 km2 -cinco vezes a área do complexo do Carandiru e quase o dobro do que ocupam os 39 empreendimentos do Projeto Cingapura. Poderiam render por ano R$ 47,78 milhões em aluguel ao município (cerca de 8% do valor total dos imóveis), dinheiro suficiente para atender, durante um ano, 33 mil famílias no Programa Renda Mínima.
O relatório mostra que os governos que mais entregaram áreas públicas a terceiros foram os de Jânio Quadros (1986-1988) e de Paulo Maluf (1993-1996) -50 e 36, respectivamente.

Inédita e tardia
A tentativa de negociação encabeçada pelo governo petista de Marta Suplicy é inédita, mas começa com quatro meses de atraso em relação ao prazo legal.
Denunciada por uma reportagem da Folha, a cessão irregular das áreas públicas foi alvo de uma CPI na Câmara Municipal.
Concluída em 4 de outubro do ano passado, ela analisou cerca de 140 casos e deu 180 dias para o Executivo iniciar a revisão das contrapartidas e o processo de reintegração de posse de algumas áreas. O prazo terminou em abril.
Em 25 de julho, a Promotoria de Justiça da Habitação oficiou a prefeita para que explicasse o que havia feito, sob pena de ser processada por improbidade administrativa (má gestão pública). Em 23 de agosto, a prefeitura notificou as primeiras 15 entidades.
A prefeitura nega ter agido apenas depois de pressionada e diz ter usado os dez meses para traçar uma política de ocupação das áreas, mas admite que, em uma negociação politicamente delicada, está usando a ameaça de processo como força de persuasão.
"São centenas de cessões nas últimas décadas. Não se pode imaginar que 180 dias seja prazo suficiente para solucionar um problema de 30 anos", diz a secretária municipal dos Negócios Jurídicos, Anna Emília Cordelli Alves.
Veja a lista de todas as áreas municipais cedidas a terceiros na Folha Online
www.folha.com.br/022551


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