São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

Quanto custa Renan Calheiros


Não há fórmula matemática, mas a falta de confiança nas instituições explica uma boa parte da miséria brasileira

OS COMPUTADORES QUE CHEGARAM à escola municipal Campos Salles, em Heliópolis, a maior favela da cidade de São Paulo, deixaram as crianças elétricas -elas nunca tinham visto uma sala de informática. Foi, porém, uma euforia fugaz. Todas as máquinas desapareceram.
O diretor da escola, Braz Nogueira, apresentou queixa à polícia, mas sem esperança de recuperar os computadores. No caminho de volta, desolado, resolveu parar em pontos de encontro da comunidade.
Como alguns dos interlocutores eram parentes dos alunos, Braz argumentou: "Não foi a escola que foi roubada. Foram seus filhos". Contou, então, sobre a tristeza das crianças que observavam, espantadas, a sala de informática vazia. Não demorou uma semana para que os computadores fossem devolvidos.

 

Faixa preta de caratê, Braz Nogueira dá aulas, nos fins de semana -em seu descanso, portanto- para adolescentes. Mudou o currículo para que se incorporassem formas de lidar com a questão da violência.
Diante do assassinato de uma de suas alunas, promoveu uma marcha pela paz que, a cada ano, fica maior.
Percebeu que, se ficasse sozinho, não iria suportar tantas adversidades e aliou-se à principal entidade local: Unas. Essa aliança trouxe, na semana, muito mais do que um punhado de computadores.
 

Na frente da Campos Salles, há, separada por uma rua, uma praça -ao lado dela, outra escola apenas para alunos de até seis anos de idade. Braz queria colocar alguns poucos brinquedos na praça, achava um desperdício aquele espaço vazio.
O pedido chegou às autoridades, e os brinquedos quase sumiram. Desta vez, não por assaltos. Por causa da mobilização comunitária (e do manancial de votos em potencial, é claro), a prefeitura e o governo estadual decidiram não apenas incorporar as duas escolas à praça, evitando a circulação de carros, mas também construir uma creche, uma escola técnica e um centro cultural.
Na quarta passada, começaram as obras do que se decidiu chamar de "bairro educador", uma integração de todos esses espaços que, apesar de dispersos, oferecerão programações complementares, da pré-escola ao ensino médio profissionalizante.
A volta súbita dos computadores e a construção do bairro educador explicam-se com duas palavras quase mágicas: capital social. Pensando no que representam essas duas palavras, pode-se estimar o custo de um Renan Calheiros absolvido pelo Senado.
 

Ainda um conceito pouco conhecido fora dos meios acadêmicos, capital social é a riqueza que nasce do relacionamento entre os indivíduos dispostos a aceitar desafios conjuntos. Um ingrediente indispensável para o surgimento desse capital é a confiança: o outro não é um adversário, mas um aliado.
Daí se entende como o AfroReggae entra nos lugares mais violentos do Rio usando a sedução da arte. Há muitos estudos mostrando a relação entre desenvolvimento econômico e capital social, especialmente quando vinculados a investimento em qualificação educacional, ou seja, na produção de capital humano.
O custo da desonestidade, do qual Renan é, neste momento, o maior símbolo, arrastando ainda mais para baixo a imagem dos políticos, é muito mais moral do que financeiro.
 

A infindável crônica de bandalheiras dissemina uma sensação generalizada de que a ação pública é corrupta. Cada um tenta ser o mais esperto e defender seu interesse. Isso se traduz também no preço que pagamos pelos abusos corporativos -as aposentadorias do setor público ou o inchaço do funcionalismo, só para citar dois exemplos, ultrapassam dezenas de bilhões de reais.
Não há fórmula matemática para calcular o custo da desconfiança, mas, certamente, a falta de confiança nas instituições explica uma boa parte da miséria brasileira.
 

PS - Devido a uma profunda crise, uma escola pública em São Paulo, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, estava com data marcada para ser fechada. Alunos, ex-alunos, pais e professores buscaram alianças para evitar o fechamento.
Conseguiram apoio para a realização das mais diferentes oficinas -de português à dança, passando pela matemática, artes e comunicação.
Pintaram a escola e transformaram um depósito abandonado num centro cultural, aberto à comunidade, para, além de levantar recursos, propiciar a interação de estudantes com artistas profissionais.
Com essa mobilização, o governo estadual decidiu implantar ali cursos profissionalizantes, preferencialmente voltados para a área cultural, em que há falta de mão-de-obra qualificada. O projeto ainda está engatinhando, mas já despertou o interesse da Unesco, cujos dirigentes decidiram, na sexta-feira passada, sistematizá-lo para seja apresentado como referência, de baixo custo, associando cultura e educação.

gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: Adepta das compras, gaúcha acha comida cara
Próximo Texto: Congonhas não tem atrasos no 1º dia de pistas reduzidas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.