São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2001

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CIDADANIA

Decreto prevê contratação de 20% de pessoas que se declarem negras ou afrodescendentes, mas não há como aferir dado

Cota para negro esbarra em falta de critérios

ROBERTO COSSO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal começou a pôr em vigor cotas para negros nos ministérios, mas não estabeleceu critérios objetivos que permitam a identificação das pessoas aptas a preenchê-las.
Em 4 de setembro de 2001, o ministro Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário) assinou a portaria nš 202, que cria uma cota de 20% para negros "na estrutura institucional" do ministério e do Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária).
Ele também pede às empresas terceirizadas e aos organismos internacionais que prestam consultoria ao ministério e ao Incra que contratem 20% de negros.
Na próxima quarta-feira, o ministro Aloysio Nunes Ferreira (Justiça) irá assinar uma portaria que estabelece uma meta de 20% para afrodescendentes e de 20% para mulheres no ministério e nas empresas terceirizadas.
Nos dois casos, são consideradas negras ou afrodescendentes as pessoas que se declaram como tal. Não existe, porém, critério para aferir a informação.
Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 1999, apenas 5,4% da população brasileira é preta; 39,9% são pardos e 54%, brancos.
Jungmann diz que o seu decreto só vale para pessoas negras e não abrange as pardas.
Questionado sobre o fato de apenas 5,4% da população ser considerada preta pelo IBGE, ele diz: "Se esses dados estiverem corretos, precisamos repensar a nossa política".
O ministro confirma que não existem critérios para avaliar se uma pessoa é ou não negra. Diz que, até hoje, o ministério aceitou o que foi declarado pelas pessoas. "Vamos precisar criar uma comissão para avaliar essa questão", afirma Jungmann. De acordo com o decreto que assinou, o ministério terá 30% de negros até o final de 2003.

Resultados
Pouco mais de três meses após a assinatura do decreto, oito pessoas da raça negra conseguiram emprego na estrutura do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Seis foram contratadas por uma empresa terceirizada do ministério, que fornece 30 funcionários para realização de "serviços gerais". Elas foram selecionadas por meio de fotos incluídas nas fichas de candidatos às vagas.
A recepcionista Ana Beatriz Pereira Araújo, 26, foi uma das selecionadas. Ela afirma já ter sido vítima de preconceito em tentativas de arrumar emprego.
"Gostei da medida que criou as cotas porque ela dá oportunidade para pessoas da cor negra ingressarem no serviço público. Acho que se não fosse a cota, eu não trabalharia aqui."
Outras duas pessoas negras foram nomeadas em cargos de confiança -uma no ministério e outra no Incra.
A professora Zélia Amador de Deus, 50, do Departamento de Arte da Universidade Federal do Pará, foi contratada como assessora para implementação das políticas de ação afirmativa para a população negra.
"Dados do IBGE demonstram que a pobreza e a indigência estão concentradas na população negra brasileira, que tem desvantagem em todos os indicadores sociais", diz Zélia, que defende a adoção de cotas por todos os ministérios.
O ministro Jungmann, que se define "pardo", afirma que a cota só vale para os contratos de terceirização assinados após o decreto. "Não queremos incentivar o desemprego da população branca."



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