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CIDADANIA
Decreto prevê contratação de 20% de pessoas que se declarem negras ou afrodescendentes, mas não há como aferir dado
Cota para negro esbarra em falta de critérios
ROBERTO COSSO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo federal começou a
pôr em vigor cotas para negros
nos ministérios, mas não estabeleceu critérios objetivos que permitam a identificação das pessoas
aptas a preenchê-las.
Em 4 de setembro de 2001, o ministro Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário) assinou a portaria nš 202, que cria uma cota de
20% para negros "na estrutura
institucional" do ministério e do
Incra (Instituto de Colonização e
Reforma Agrária).
Ele também pede às empresas
terceirizadas e aos organismos internacionais que prestam consultoria ao ministério e ao Incra que
contratem 20% de negros.
Na próxima quarta-feira, o ministro Aloysio Nunes Ferreira
(Justiça) irá assinar uma portaria
que estabelece uma meta de 20%
para afrodescendentes e de 20%
para mulheres no ministério e nas
empresas terceirizadas.
Nos dois casos, são consideradas negras ou afrodescendentes
as pessoas que se declaram como
tal. Não existe, porém, critério para aferir a informação.
Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 1999, apenas 5,4% da
população brasileira é preta;
39,9% são pardos e 54%, brancos.
Jungmann diz que o seu decreto
só vale para pessoas negras e não
abrange as pardas.
Questionado sobre o fato de
apenas 5,4% da população ser
considerada preta pelo IBGE, ele
diz: "Se esses dados estiverem
corretos, precisamos repensar a
nossa política".
O ministro confirma que não
existem critérios para avaliar se
uma pessoa é ou não negra. Diz
que, até hoje, o ministério aceitou
o que foi declarado pelas pessoas.
"Vamos precisar criar uma comissão para avaliar essa questão",
afirma Jungmann. De acordo
com o decreto que assinou, o ministério terá 30% de negros até o
final de 2003.
Resultados
Pouco mais de três meses após a
assinatura do decreto, oito pessoas da raça negra conseguiram
emprego na estrutura do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Seis foram contratadas por uma
empresa terceirizada do ministério, que fornece 30 funcionários
para realização de "serviços gerais". Elas foram selecionadas por
meio de fotos incluídas nas fichas
de candidatos às vagas.
A recepcionista Ana Beatriz Pereira Araújo, 26, foi uma das selecionadas. Ela afirma já ter sido vítima de preconceito em tentativas
de arrumar emprego.
"Gostei da medida que criou as
cotas porque ela dá oportunidade
para pessoas da cor negra ingressarem no serviço público. Acho
que se não fosse a cota, eu não trabalharia aqui."
Outras duas pessoas negras foram nomeadas em cargos de confiança -uma no ministério e outra no Incra.
A professora Zélia Amador de
Deus, 50, do Departamento de
Arte da Universidade Federal do
Pará, foi contratada como assessora para implementação das políticas de ação afirmativa para a
população negra.
"Dados do IBGE demonstram
que a pobreza e a indigência estão
concentradas na população negra
brasileira, que tem desvantagem
em todos os indicadores sociais",
diz Zélia, que defende a adoção de
cotas por todos os ministérios.
O ministro Jungmann, que se
define "pardo", afirma que a cota
só vale para os contratos de terceirização assinados após o decreto.
"Não queremos incentivar o desemprego da população branca."
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