São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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Corredor da morte

Brasileiro diz que "besteira" o levou a entrar com droga na Indonésia; ele afirma se arrepender e tem esperança que Lula consiga reverter sua condenação

Arquivo Pessoal - 2009
Marco Archer em cela da prisão de Pasir Putih, na Indonésia; o brasileiro está no corredor da morte desde 2004 por tráfico de cocaína

DA REPORTAGEM LOCAL

O ânimo na voz de Marco Archer não sugere que ele esteja no corredor da morte. "Não perco a esportiva. Estou sempre de alto astral." Os dias, ele diz passar à base de exercícios na academia e conversa com os outros detentos da prisão de Pasir Putih, uma das quatro do complexo de Nusakambangan.
Marco afirma estar bem de saúde, mas já perdeu dentes por um problema na gengiva. O brasileiro diz se alimentar com a comida da prisão e também com mantimentos comprados com os US$ 500 (R$ 863) que a mãe lhe envia mensalmente. O dinheiro chega pela mulher de um detento italiano.
A última visita que recebeu, no fim do ano, foi de representantes da embaixada brasileira em Jacarta. A mãe, em tratamento contra um câncer, não vai à Indonésia desde 2008.

Acidente
Nascido no Rio, em família de classe média alta, Marco já fez curso de chef de cozinha em Lausanne (Suíça) e morou por dez anos em Bali, onde fazia voos turísticos de asa delta.
Foi um desses voos que, segundo ele, mudou sua vida e o levou à prisão. Em 1997, ele caiu de parapente em Bali e quebrou o fêmur, a bacia, o tornozelo e rompeu o intestino. Ficou três meses em coma e com uma dívida de US$ 55 mil com um hospital em Cingapura, vizinho à Indonésia.
Pressionado pelo hospital e sem ter como pagar a dívida, ele disse que fez "besteira": em 2003, em troca de dinheiro, aceitou a proposta de um conhecido para ir até o Peru e comprar cocaína, mesmo ciente de como a Indonésia pune o narcotráfico. A condenação veio em 2004.
Na entrevista a seguir, Marco fala dos seus dias na prisão, diz estar arrependido e afirma ter esperança de sair -e conseguir voltar para o Brasil.
"Tenho saudade o dia inteiro", disse ele, que é solteiro e não tem filhos.
(RICARDO GALLO)

 


RAZÃO DO CRIME
Eu tive um acidente com parapente em Bali em 1997. Fiquei em coma três meses. A conta do hospital ficou em US$ 250 mil (cerca de R$ 432 mil). Aí o seguro do Brasil só cobriu parte. Me deixaram ir embora, mas fiquei devendo US$ 55 mil (R$ 95 mil). Não tinha como pagar e fiz essa besteira. A dívida ficou em Cingapura e eu estou aqui, condenado à morte.

OUSADIA E FUGA
Lá em Bali eles têm vergonha de abrir a mala das pessoas. Em Jacarta também. Achei que ia ser tranquilo. Mas no dia em que cheguei tinha aviso de bomba. Aí revistaram e acharam a droga na asa delta. Consegui escapar, mas me pegaram após 18 dias. Estava numa praia em Sumbawa [leste do país] e iria pegar um barco para o Timor Leste.


ARREPENDIMENTO
Completamente, né? Agora a besteira já foi feita. Assumo totalmente que errei. Já errei e estou pagando. Estou sendo punido, ficando anos longe da minha família, dos meus amigos. A pena já está mais do que bem paga. No Brasil, pena por tráfico é de cinco anos [5 a 15 anos]. Aqui é pena de morte.


ABANDONO
Estou praticamente abandonado aqui. (...) Preciso voltar para a mídia de novo. Vou cair no esquecimento aqui.


GOVERNO BRASILEIRO
O governo do Brasil tem como reverter. Eu já falei. Sempre peço: "Mãe, o Lula tem como dar um jeito nessa história aí". O Lula é poderoso, né? E ele não é da alta sociedade. O Lula é da classe trabalhadora. Ele é do Partido dos Trabalhadores. O Lula é querido aqui.


ESPERANÇA
O governo está trabalhando... O embaixador do Brasil esteve aqui. Expliquei para ele: "Você tem que se reunir com as outras embaixadas aí". A única maneira de dar um basta [no problema da droga] é mandar todo mundo para casa [deportar] e não deixar mais entrar aqui. Na Tailândia fizeram isso.


MEDO DA MORTE
Ah, todo mundo tem medo de morrer. O que eu posso fazer? Estou condenado à morte... a pena não abaixou ainda. Vamos ver no que vai dar.


ADVOGADO MENTIU
Eu tinha um advogado que veio aqui outro dia e falou que a pena ia cair para 20 anos. Mas tem que ter uma carta do governo [oficializando a redução]. Aí a embaixada descobriu que era mentira e tirou ele do caso.


SITUAÇÃO JURÍDICA
Fui condenado em primeira, segunda, terceira instância. Estou na última. Já estou cansado de ser condenado à morte. Mas até agora não mataram, não.


EXECUÇÕES RECENTES
Eu estou aqui há sete anos e já executaram um indiano, um tailandês e dois nigerianos.


ROTINA
Eles abrem a porta às 6h. Aí tem academia lá, tem esteira lá, levanto uns pesinhos... Tem cantina, é bem legal. Essa é considerada a melhor prisão da Indonésia. Tem preso francês, holandês, australiano, paquistanês. Umas 260 pessoas.


SAÚDE
Estou aqui na prisão até hoje e nunca fiquei doente. Só tive um machucado nas costas porque cocei com uma faca e infeccionou. O peso está igualzinho a antes -1,80 m e 80 kg.


SAUDADE
Tenho saudade o dia inteiro. Não vejo a hora de voltar. Queria voltar a voar [de asa delta].


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