São Paulo, terça, 17 de fevereiro de 1998

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Amistad? Amizade? Amizade o caramba!

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

"Afriques: Comment Ça Va Avec la Douleur?" África: Como Vai Essa Dor? O melhor filme que já se fez sobre os destinos da raça negra no mundo, do diretor-fotógrafo Raymond Depardon, não recebeu nenhuma indicação ao Oscar.
Sobre esse filme -que se restringe a registrar, com uma câmera em movimentos circulares de 360º, o genocídio contínuo de uma raça, que se arrasta da era da escravidão até os dias de hoje-, sobre esse filme não se fez um terço do estardalhaço que se faz agora por conta de "Amistad", épico de Steven Spielberg sobre a escravidão de negros no século 19.
"Amistad", que estréia no próximo dia 20, é baseado no episódio histórico verídico de um motim de 53 escravos africanos no navio negreiro espanhol "La Amistad", que seguia para Cuba mas, sem comando, vai parar nos Estados Unidos.
Acusados de assassinato e pirataria, os escravos insurrectos são presos e julgados por um tribunal americano que precisa decidir se eles voltariam livres para a África ou como escravos para a Espanha.
Filme político de Spielberg que, ademais do valor estético (que o diretor manipula com perfeição), não equivale senão a uma espécie de patética expiação de culpa da raça branca colonizadora.
O épico de tribunal está aí mais para glorificar o herói branco e a fundação do sistema legal americano do que para reparar o drama da raça negra ou destacar seu personagem principal, o líder da rebelião, espécie de Zumbi do tráfico espanhol chamado Sengbe Pieh (que os espanhóis pronunciavam "Cinqué"), um nativo de Serra Leoa.
Tanto não está que o único indicado ao Oscar do filme não é nenhum ator negro. É o branco Anthony Hopkins, que interpreta um falso abolicionista presidente John Quincy Adams.
O épico de tribunal está aí para fazer valer a ONG Spielberg da compaixão humanitária, para realizar em ficção o sonho impossível dos judeus progressistas (Spielberg é judeu), de que negros e judeus deveriam se unir como raças injustiçadas, como se gozassem de igual status no mundo -ora, os judeus, ao contrário dos negros, são raça endogâmica, têm dinheiro, a mídia e a imprensa mundial a seu favor.
Os US$ 70 milhões gastos em "Amistad", Spielberg devia ter doado aos perseguidos de Ruanda ou do Burundi. Era dinheiro melhor empregado. Durante o quase um século de apartheid na África do Sul, os EUA (e o dinheiro judeu) nunca deram um passo significativo contra o genocídio.
Amizade efetiva entre raças, somente nas classes baixas: negro com branco, branco com índio etc., contanto que se unam, somem salários pequenos e sobrevivam. Só por isso não há racismo entre pobres, questão de sobrevivência.
Das classes médias para cima, branco casa com branco, dorme com branco. Contato íntimo com negro é coisa para uma vez, para satisfazer a curiosidade sexual, tocar o diferente, o cabelo crespo, a pele sedosa, o sexo escuro, o pênis grande dos homens negros. Amizade... o caramba!

E-mail mfelinto@uol.com.br



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