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Ladrões, ladrões por todas as partes
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Dois talões de cheques por
R$ 9,00. Se é isso o que a moeda vale, os dois bloquinhos de
folhas de papel, então a moeda
não vale nada, é uma mentira.
Noventa e oito centavos por
um extrato bancário retirado
nesses caixas automáticos
-um pedacinho de papel que
não mede mais do que 7,5 cm
por 15 cm. Assalto. Roubo a
mão armada -os bandidos,
os bancos, com direito a meia
na cara e metralhadora em
punho. Os bancos, os bandidos, usam máscaras, meias na
cara, máquinas disfarçadas de
mulheres-terminais, fatais, automáticas, magnéticas: boa
tarde! Enfie o seu cartão no...
Como é que pode um banco
cobrar R$ 0,98 por um ridículo
pedacinho de papel ralo, impresso com tinta fraca, e ficar
tudo por isso mesmo? Como é
que pode, se a passagem de
ônibus custa R$ 1,00, se uma
folha inteira de papel sulfite
tamanho ofício não custa nem
R$ 0,10? Tudo errado. Que custos são esses? Que sacanagem?
Os impostos, as tarifas, os
compulsórios todos (fora os
que pagamos e nem sabemos,
embutidos nisso e naquilo), a
roubalheira oficializada.
São pequenos assaltos, fraudes, furtos diários, recorrentes,
insistentes. São pequenos roubos que, somados, porém,
equivalem ao conteúdo espetacular de um cofre-forte rasgado a maçarico na calada da
noite -o rombo fica na cabeça da pessoa, o soco na boca do
estômago, a impotência do buraco que vai se abrindo na dignidade, na vontade, na auto-estima. Ladrões por todo
canto.
As prestações do apartamento sobem todo mês um pouco,
assim sorrateiramente, como
que para o indivíduo não perceber o tamanho do furto mensal, anual, o acréscimo monstruoso e impagável no saldo
devedor. Para cada despesa
extra, o condomínio vem com
justificativas de "pesquisa no
mercado pelo preço mais baixo". Um roubo comunitário.
A conta de luz às vezes dá
um salto súbito, o valor quase
dobra de um mês para o outro.
O indivíduo olha enojado para
o papelote cheio de números,
pensa em qual dos aparelhos
elétricos estaria o estrago. Não
encontra motivos e se recolhe,
sem ânimo para reclamar.
O salário que não aumenta
mais (ou aumenta 3% ao ano!)
é a mais deslavada das mentiras da "estabilidade". Agem
como se não tivessem calculado quanto aumentou o feijão,
a roupa, o dentista, o remédio,
o convênio médico, o conserto
da geladeira, a gasolina, a passagem do ônibus. Estado ladrão, empresa ladrona.
"Fdps! fdps! fdps!", um mendigo gritou para ninguém e
para todos no meio da rua outro dia, a poucos passos de
mim. Quer cena melhor? Quer
melhor desabafo? Dava inveja
(e dava medo aquela imundície última, aquela miséria derradeira e definitiva). Ladrões.
A pessoa vai vendo crescer a
sensação de que só se mete em
roubadas, só entra em frias e
dá valor e respeito ao que (e a
quem) não merece senão a desclassificação total, a indiferença pura e simples. Ladrões, ladrões por todas as partes.
Fora o que a economia (e a
"sociedade") rouba de nós aos
montes todo dia, mas não é
metal, é coisa nada vã, nada
vil -nós mesmos. Ladrões.
E-mai mfelinto@uol.com.br
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