São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 2002

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URBANIDADE

Sonhos de vidro

Vincenzo Scarpellini
JARDIM NO SOLARIUM Costumava ser ridicularizado. Mas terá sido Artacho Jurado, arquiteto autodidata e empresário detalhista, o filho ilegítimo do modernismo paulistano? Hábil demais para cair na mesmice do passado, exuberante demais para aceitar a pureza dos modernos, misturava suntuosidade e pilotis. Porém, com isso, pesquisou linguagens e novos materiais. (Edifício Cinderela, 1956) (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Dando continuidade a uma tradição de 700 anos, artesãos cultivam na ilha de Murano, próxima a Veneza, na Itália, a técnica de produção de cristais de vidro, atraindo artistas de todo o mundo. Essa arte, passada de geração em geração, muitas vezes dentro das famílias, veio parar num cenário improvável: a "cracolândia", território que se notabilizou, em São Paulo, pelo tráfico de crack.
Ao buscar artesãos para ajudá-la a compor peças de vidro e cristal para suas obras, a artista plástica Debora Muszkat notou a escassez de mão-de-obra qualificada. "Um cliente me fez uma grande encomenda, mas não tinha quem a executasse. Não queria dispensar o trabalho."
Dessa escassez surgiu a idéia da Oficina de Vidro, um projeto para recrutar jovens de baixa renda e ensiná-los a técnica de Murano, formando profissionais aptos a produzir e a ensinar, que, assim, passam a ter fonte de renda. O sinal do sucesso veio na primeira exposição pública neste ano: faturaram R$ 1.500, vendendo pequenas peças, que custavam, em média, R$ 2.
Na busca de um espaço para as oficinas, Debora ganhou da Secretaria Estadual da Cultura uma sala improvisada no térreo da Sala Júlio Prestes, sede da Orquestra Sinfônica de São Paulo, fronteira da "cracolândia". Os jovens postam-se em bancadas e moldam as peças multicolores, espalhadas pelo salão. Naquela região, exuberante no passado, chegavam pelos trilhos de trem imigrantes italianos que se tornaram os mestres de jovens artesãos, concentrados no Liceu de Artes e Ofícios. Dali saíram as mãos que deram forma às estátuas e à arquitetura paulistana.
Iniciada em janeiro, a primeira turma de aprendizes que estabeleceu a conexão Murano-Cracolândia forma-se neste mês. Patrícia Souza Andrade, de 17 anos, é uma prova de que o projeto já começa a frutificar. Ela já consegue algum dinheiro e está disposta a seguir carreira de artesã. "O bom de fazer as peças é que a gente vai moldando cada uma delas com paciência e cuidado." Está pensando mais longe e vai tentar montar seu ateliê.
Viver do artesanato também é o sonho de Leile Lilian da Costa, outra formanda. "Nunca me imaginei fazendo vidro, mas acho que nasci para a coisa. Sou paciente, vou com cuidado e não fico desesperada quando alguma coisa sai errada." Essa é a atitude que está empregando para montar seu projeto pessoal: através do vidro, aprendeu a ver, com outros olhos, a vida.

E-mail - gdimen@uol.com.br



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