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PASQUALE CIPRO NETO
Mais uma (pequena e bela) lição de Pessoa
Nos dois casos, a troca do modo verbal implica apenas a mudança do plano em que se põem os processos?
MOTIVADO PELA COLUNA da
semana passada, em que
mencionei o trecho "Não
sei mais o que faça com esse amor..."
(da canção "Não Tem Solução", de
Dorival Caymmi e Carlos Guinle), o
letrista Carlos Rennó (que, entre outras maravilhas, lavrou a antológica
"Ecos do Ão", que um dia analisei
neste espaço) me escreveu curta e
bela mensagem, em que citou estes
versos de Fernando Pessoa: "Não sei
o que faça / Não sei o que penso / O
frio não passa / E o tédio é imenso".
Rennó destacou o estro de Pessoa,
que, ao empregar um verbo no subjuntivo ("faça") e outro no indicativo
("penso"), conseguiu concomitantemente colocar em planos diferentes
(hipótese e realidade, respectivamente) os processos expressos por
essas formas verbais e cruzar a rima
("faça"/"passa", "penso"/"imenso").
O fato é que a pertinente mensagem de Rennó e o belo exemplo pessoano reforçaram o caráter que imprimi (e sempre tento imprimir) na
análise dos fatos da língua -o emprego dos modos verbais, no caso.
Não se trata de discutir sobre o certo
e/ou o errado, mas de analisar o que
muda com esta ou aquela escolha.
Pois não é que, no sábado, um título jornalístico aumentou a lista de
casos interessantes? Lá vai ele: "Lula já admite que taxa de juros volte a
subir". Vamos direto ao ponto: troque "volte" por "volta" e veja o que
ocorre. Já trocou? E então? As duas
são possíveis? Tanto faz? Ou será
que a melhor resposta é "depende"?
Esse caso é bem parecido com este, que a Unicamp abordou em um
de seus últimos vestibulares: "Lula
sugere que Walfrido e Agnelo ficam". O que ocorre com a troca de
"ficam" por "fiquem"? Será que, nos
dois casos, a troca do modo verbal
implica tão-somente a mudança do
plano em que se põem os processos
expressos pelas formas verbais?
Comecemos por relembrar o que
ocorre no segundo caso. Com "ficam" ("Lula sugere que Walfrido e
Agnelo ficam"), o verbo "sugerir"
significa "dar indícios", "fornecer sinais ou pistas". Em outras palavras,
afirma-se que determinado pronunciamento de Lula forneceu indícios
de que Walfrido e Agnelo ficariam
(no ministério). Como Lula era (e
ainda é) o responsável pela formação de sua equipe, depreendeu-se de
sua fala que ele já se decidira pela
permanência de Walfrido e Agnelo.
Com "fiquem" ("Lula sugere que
Walfrido e Agnelo fiquem"), o verbo
"sugerir" passa a significar "propor".
E no caso do outro título ("Lula já
admite que taxa de juros volte a subir")? Com "volte", temos algumas
opções interessantes. A primeira delas é entender "admitir" como sinônimo de "permitir", "tolerar".
Outra
opção é entender "admitir" como
"conceber a hipótese". Em outras
palavras, pode-se entender que o
presidente já "liberou" o Banco Central (para aumentar os juros) ou que
para Lula um possível aumento da
taxa de juros é hipótese já digerida.
Com "volta" ("Lula já admite que
taxa de juros volta a subir"), "admitir" significa "reconhecer algo evidente, que vai acontecer". Em outras palavras, Lula já não age como
diretores de futebol que insistem
em negar a saída mais que iminente
do treinador e que, após a queda "do
professor", dizem que não podiam
mesmo ter agido de outro modo.
É por essas e outras que casos como esses merecem análise meticulosa, o que impõe tomar cuidado
com a primeira impressão. É isso.
inculta@uol.com.br
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