São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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GUERRA URBANA /ARTIGO

Só diálogo pode superar onda de violência

ALVINO AUGUSTO DE SÁ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A sociedade acordou nesse último sábado assustada com notícias de uma onda de violência: rebeliões em presídios, com reféns, mortes de agentes penitenciários e de policiais etc.
Esses conflitos não são pontuais, mas têm uma longa história, que corresponde à própria história do cárcere. O cárcere segrega, despersonaliza e estigmatiza o preso. Na longa história de nosso sistema penal interesseiramente seletivo, da pena privativa de liberdade profundamente humilhante e destrutiva, das prisões horrivelmente degradantes, o ódio vem se acumulando, a capacidade crítica (por parte de alguns dos degradados) vem se afinando, a violência explícita (por parte da massa liderada) vem se aflorando, par a par com o crescimento da corrupção política impune.
E tudo isso não passa desapercebido da crítica paulatinamente mais afinada daqueles que, embora degradados, conseguem manter-se vigilantes a toda a irracionalidade desse complexo sistema que os pune. E como eles não vislumbram nenhuma esperança de que um dia serão aceitos nessa sociedade, não lhes resta outra alternativa senão organizar-se e reunir suas forças, para enfrentar a opressão do Estado. Foi assim que nasceu o PCC (Primeiro Comando da Capital), como um "partido" destinado à defesa dos direitos dos presos. Rapidamente esse partido cresceu muito e, aos poucos, foi adotando práticas violentas, na busca de seus direitos e na exigência de fidelidade por parte de seus adeptos.
Se quisermos compreender mais a fundo essa onda de conflitos, temos que ouvir e tentar compreender a leitura que dela fazem aqueles que foram segregados pela sociedade.
Tive oportunidade de ouvir de membros do PCC e de suas lideranças coisas muito interessantes, que nos fazem refletir sobre toda essa história de conflitos. Transcrevo a seguir alguns trechos:
"Nós não somos contra a ressocialização. O que não admitimos é traição... Não nos opomos a que preso algum queira se ressocializar, queira participar de trabalhos propostos pela direção do presídio. O que deve haver é um entendimento prévio."
"O mais importante de tudo, na relação entre o Estado e as facções, é o diálogo. Temos que dialogar. Afinal, nós somos todos seres humanos, que temos interesses humanos, pensamos, sabemos conversar."
"O PCC está crescendo muito. A gente não sabe onde vai parar isso. E há o risco de se chegar a uma verdadeira guerra com o tempo. Há necessidade das autoridades, do pessoal do sistema, conversar mais com a gente. Porque a gente, levado às vezes pela emoção, acaba fazendo as coisas sem pensar muito nas conseqüências. Então há necessidade de alguém orientar a gente e dizer que, se a gente puser a mão aqui ou ali, vai acabar "queimando a mão"."
Enfim... qual a solução? Não há como se falar em solução. Poder-se-ia falar em busca de novos caminhos. Por meio desses fatos chocantes, os degradados conseguem gritar "nós existimos, nós ainda existimos e temos uma identidade e uma força". Ora, quem sabe talvez se possam buscar novos rumos, se nós aprendermos a ouvir essas pessoas. Quem sabe, se nós tentarmos substituir o jogo do embate entre as irracionalidades pela construção de um diálogo entre as racionalidades, talvez novos rumos comecem a despontar. Novos rumos... nos quais, de qualquer forma, dificilmente os conflitos deixarão de existir, enquanto existir o cárcere, ao menos se aplicado dessa forma irracional, seletiva e discriminada, como sempre aconteceu.


Alvino Augusto de Sá é professor da Faculdade de Direito da USP, membro associado do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e psicólogo aposentado da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo


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