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GUERRA URBANA /ARTIGO
Só diálogo pode superar onda de violência
ALVINO AUGUSTO DE SÁ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A sociedade acordou nesse último sábado assustada com notícias de uma onda de violência: rebeliões em presídios, com reféns,
mortes de agentes penitenciários
e de policiais etc.
Esses conflitos não são pontuais, mas têm uma longa história, que corresponde à própria
história do cárcere. O cárcere segrega, despersonaliza e estigmatiza o preso. Na longa história de
nosso sistema penal interesseiramente seletivo, da pena privativa
de liberdade profundamente humilhante e destrutiva, das prisões
horrivelmente degradantes, o
ódio vem se acumulando, a capacidade crítica (por parte de alguns
dos degradados) vem se afinando,
a violência explícita (por parte da
massa liderada) vem se aflorando,
par a par com o crescimento da
corrupção política impune.
E tudo isso não passa desapercebido da crítica paulatinamente
mais afinada daqueles que, embora degradados, conseguem manter-se vigilantes a toda a irracionalidade desse complexo sistema
que os pune. E como eles não vislumbram nenhuma esperança de
que um dia serão aceitos nessa sociedade, não lhes resta outra alternativa senão organizar-se e reunir
suas forças, para enfrentar a
opressão do Estado. Foi assim que
nasceu o PCC (Primeiro Comando da Capital), como um "partido" destinado à defesa dos direitos dos presos. Rapidamente esse
partido cresceu muito e, aos poucos, foi adotando práticas violentas, na busca de seus direitos e na
exigência de fidelidade por parte
de seus adeptos.
Se quisermos compreender
mais a fundo essa onda de conflitos, temos que ouvir e tentar compreender a leitura que dela fazem
aqueles que foram segregados pela sociedade.
Tive oportunidade de ouvir de
membros do PCC e de suas lideranças coisas muito interessantes,
que nos fazem refletir sobre toda
essa história de conflitos. Transcrevo a seguir alguns trechos:
"Nós não somos contra a ressocialização. O que não admitimos é
traição... Não nos opomos a que
preso algum queira se ressocializar, queira participar de trabalhos
propostos pela direção do presídio. O que deve haver é um entendimento prévio."
"O mais importante de tudo, na
relação entre o Estado e as facções, é o diálogo. Temos que dialogar. Afinal, nós somos todos seres humanos, que temos interesses humanos, pensamos, sabemos conversar."
"O PCC está crescendo muito. A
gente não sabe onde vai parar isso. E há o risco de se chegar a uma
verdadeira guerra com o tempo.
Há necessidade das autoridades,
do pessoal do sistema, conversar
mais com a gente. Porque a gente,
levado às vezes pela emoção, acaba fazendo as coisas sem pensar
muito nas conseqüências. Então
há necessidade de alguém orientar a gente e dizer que, se a gente
puser a mão aqui ou ali, vai acabar
"queimando a mão"."
Enfim... qual a solução? Não há
como se falar em solução. Poder-se-ia falar em busca de novos caminhos. Por meio desses fatos
chocantes, os degradados conseguem gritar "nós existimos, nós
ainda existimos e temos uma
identidade e uma força". Ora,
quem sabe talvez se possam buscar novos rumos, se nós aprendermos a ouvir essas pessoas.
Quem sabe, se nós tentarmos
substituir o jogo do embate entre
as irracionalidades pela construção de um diálogo entre as racionalidades, talvez novos rumos comecem a despontar. Novos rumos... nos quais, de qualquer forma, dificilmente os conflitos deixarão de existir, enquanto existir
o cárcere, ao menos se aplicado
dessa forma irracional, seletiva e
discriminada, como sempre
aconteceu.
Alvino Augusto de Sá é professor da Faculdade de Direito da USP, membro associado do IBCCRIM (Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais) e psicólogo aposentado da Secretaria da Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo
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